15.4.12

À bientôt, Paris


Depois de um mês, começo a me preparar para a despedida. Hoje, andei pelas ruas da cidade já imbuída daquele 'espírito' de tentar impregnar o olhar, deixar o tempo marcar nas retinas os prédios que gosto tanto, as paisagens que me fascinam, as pessoas que passam apressadas e nem percebem que estão sendo observadas.
Claro, Paris é apenas mais uma cidade. Tem seu charme, como muitas outras, mas certamente não é perfeita: o metrô cheira mal, o parisiense por vezes é brusco no trato cotidiano - o que faz com que seja tachado (injustamente, na minha opinião) de grosseiro -, determinados hábitos são estranhos para os nossos costumes.
Tudo isso é verdade. Mas, não há como negar: a cidade conquistou um pedacinho do meu coração. Lembro de que, quando vim morar aqui, há dois anos atrás, me perguntava: eu e a cidade, seremos um caso de amor ou uma dura batalha? (isso foi nesse post aqui)
A resposta, que não veio naquele momento, me aparece agora: nem uma coisa, nem outra. Vivi muitas coisas aqui, boas e ruins. Algumas das boas, vim, com frequência, dividir no blog. As ruins, tentei deixar de lado, e, como li outro dia em algum lugar, manter em algum lugar bem escuro e fundo dentro de mim, no qual elas morram de fome.
O fato é que, seja pelas alegrias, seja pelas tristezas, a cidade passou a fazer parte inseparável da minha história de vida. Como aquelas pessoas que amamos profundamente, mas que, ao mesmo tempo, também são as que mais conseguem nos tirar o nosso equilíbrio. Voltar para cá misturou, em doses exatas, o receio e o prazer.
Passado um mês, e faltando poucos dias para a minha partida, começo então a me despedir dessa cidade que se tornou tão especial para a minha história. Desta vez, com a certeza reconfortante que não é um 'au revoir', mas apenas um 'à bientôt'. Ano que vem estarei de volta!

12.4.12

E já que...

































... a igreja vai entrar em processo de restauração, que tal a gente aproveitar e colocar uns origamis, assim, bem grandes, pendurados no teto? É colorido, bonito, e dessa forma, as pessoas vão ter mais o que olhar além dos andaimes e das telas de proteção da obra!
Algum iluminado, em algum momento, teve essa idéia tão simples e transformou a Igreja de St. Merry em uma obra de arte ainda maior!









7.4.12

Desenhos com gente

Tem gente que é tradicional e usa lápis, crayon, pastel. Tem os que querem colorir a cidade e usam o giz nas calçadas, ou o aerossol nos muros. Tem os modernos que usam iPads e tablets em geral. Eu, de vez em quando, resolvo usar... gente!
Faço os meus desenhos com as pessoas. Na verdade, os desenhos já estão lá. Eu apenas os reconheço, dou um limite, enquadro e registro. Da mistura das linhas e textura do piso, da posição dos passantes, dos elementos da cidade, das sombras que conferem outro formato aquilo que é tão conhecido, voilà!.... Saem as minhas gravuras. Meio Mondrian, meio Malevich... Desenhos com gente.













5.4.12

A primeira


Na véspera:
Fui jantar com um amigo. Firmemente decidida a não beber nada, mas, face à massa al carbonara que nos encarava à mesa, precisei de reforços: 'du vin rouge, s'il vous plaît!'
Cheguei em casa tarde, incomodada porque achei que meu cabelo estava com cheiro de comida. Tomei um banho e não tive paciência de esperar secar. Fui dormir com os cabelos molhados.
Dormi mal, acordei várias vezes durante a noite, levantei para ver as horas, para tomar água, para olhar pela janela, para pensar na vida...

No dia:
Cabelos molhados + várias horas amassados no travesseiro + noite mal dormida e... voilà! Acordei que nem o Rei Leão com olheiras. As olheiras ainda consegui ajeitar com maquiagem, mas o cabelo não havia nenhuma possibilidade de domar, já que o meu senso de economia de espaço na mala me fez largar o secador no Brasil, confiando nos meus cabelos 'lisos'.
Acordei na hora, mas resolvi fazer umas últimas 'modificaçõezinhas' no texto a ser apresentado. Resultado: uma hora e meia na frente do computador e várias mudanças que tiveram que ser inseridas à mão no texto já impresso.
Saí correndo, enfrentando o dia mais frio desde que cheguei em Paris. Prá piorar, com chuva.
Desci na estação 'Notre dame des champs' e (claro!) andei para o lado errado por mais de um quarteirão até perceber o engano. Quem me conhece não se espanta. Eu e minha 'desbussolice' andamos de mãos dadas há muito tempo...
Enfim, percebi o engano, dei meia volta e entrei no 105, Boulevard Raspail. École des Hautes Études en Sciences Sociales. EHESS.

Comecei a lembrar da primeira vez em que, intimidada, entrei neste prédio. Era a segunda semana em Paris e eu começava a escolher os seminário dos quais iria participar. Vim aqui por causa de um curso chamado "Une histoire de la vision", cujo professor, um filósofo, traçava uma epistemologia da visão que, achei, me interessaria para pensar o cinema.
Nas primeiras aulas, não abria a boca, morta de medo do meu francês ainda 'macarrônico' não dar conta do que queria dizer. Lá pela quarta ou quinta semana de seminário, o professor começa a falar de um livro que eu havia lido, chamado "La fadigue d'être soi". De repente, pára, e reclama: 'não consigo me lembrar do nome do autor!'. Seguiu-se o seguinte diálogo:
Eliana (BEM baixinho): Ehrenberg.
Monsieur Jorland: Pardon?
Eliana (já em tom de voz de gente normal): Ehrenberg. Alain Ehrenberg. C'est le nom de l'auteur du livre
Monsieur Jorland: Voilà! Merci!
No final da aula, quando tudo que eu queria era sair dali despercebida, monsieur Jorland subitamente me olha e pergunta: 'E você? Qual é o seu interesse neste seminário?'
Tusso. Respiro. Engasgo. Limpo a garganta. Gaguejo. Começo: 'Bom, eu estudo cinema...'

Quase um ano depois, nas vésperas de voltar ao Brasil, já conhecia monsieur Jorland bem melhor. Conversamos várias vezes sobre o meu tema, ele sugeriu livros e assistiu meus vídeos. Os encontros com ele para conversar sobre a minha tese e sobre os temas nos quais tínhamos interesses em comum acabaram se tornando uma agradável rotina.
Neste último encontro, ele, cortesmente, me pergunta: 'E então, você gostou de morar em Paris?'
E eu digo, claro, a cidade é linda, eu avancei bastante na tese, essas coisas de praxe.
E ele: 'Você gostaria de voltar?'
Eu: 'Sim, claro! Quem sabe, mais tarde, para um pós-doc...'
Ele: 'Bom, eu estava pensando em algo mais próximo. Pensei em lhe fazer um convite para que você retorne no ano que vem, como 'professeur invité' dentro do meu seminário'
Eu: ahhhh... errrr..... bom.... (Eu entendi errado, claro. Puxa, e eu aqui pensando que meu francês estava indo tão bem... Pateta! Mas o que foi mesmo que ele disse?...)
Ele: Eliana, você está me acompanhando?
Eu: Er... Não, desculpe monsieur Jorland. O senhor pode repetir?

Pois é. Era aquilo mesmo e, um ano e meio depois, eu estou aqui novamente, pronta para a minha primeira conferência na EHESS. Acho que nunca estive tão nervosa na vida. Descubro, aterrorizada, que serão duas turmas juntas, uma de filosofia, outra de antropologia. O nervosismo aumenta na exata proporção do número de pessoas que entra na sala. Eu começo a falar.
Vou poupar quem está lendo dos detalhes, mas... tudo se passou 'très bien'. Consegui falar sem gaguejar, os filmes que eu escolhi para passar rodaram sem problemas no computador, e eu sobrevivi mesmo àquela assustadora meia hora de perguntas no final.
Nos últimos minutos, como a discussão acabou migrando para as diversas formas de ver uma cidade, e eu estava mais à vontade, resolvi passar para eles um vídeo curtinho - que fiz em 2008 para o Salão de Arte e Cidade que aconteceu na Ufba, em Salvador -, chamado 'Ways'.
E foi então, enquanto o vídeo rodava, que a ficha caiu. A aula, que me assustou durante tanto tempo, já estava acabando. E daí, todo esse filminho que eu descrevi acima passou na minha cabeça. Confesso que fiquei feliz pelas luzes estarem apagadas por causa do vídeo, porque meus olhos se encheram de lágrimas...
Bom, a primeira já foi. Semana que vem tem mais!


3.4.12

Un paysage d'ombres











Adoro sombras. Adoro reflexos. Adoro o caráter efêmero das coisas que existem em momentos bem precisos e, no minuto seguinte... não existem mais! Adoro persegui-las e registrá-las, desenhando na fotografia a sua forma e transformando a sua vida breve em algo que eu doto de concretude. Brincar, criando, como uma espécie de deus. E não é esse o trabalho de qualquer artista?...










2.4.12

Revivendo tempos passados









Quando morei em Paris, no ano de 2010, estava no meio do doutorado, encantada com meu tema de pesquisa e feliz por estar dividindo a minha rotina com muitos outros pesquisadores que eram igualmente apaixonados pelo seu trabalho. As conversas à noite, nas cozinhas coletivas do prédio, tinham temas diversos, de música ao futebol, de novelas à qualidade dos vinhos - muitos! - que escolhíamos nos supermercados. Mas não era raro, no meio da noite, nos vermos no meio de uma discussão à respeito do conceito de estética em Hegel, ou uma defesa apaixonada dos movimentos sociais urbanos de ocupação imobiliária como forma possível de permitir acesso à cidade a toda uma camada da população.... Enfim, muita 'besteira' e muito 'assunto sério', assim, 'tudojuntoemisturado'.
Logo no início da minha estadia, conheci, morando no mesmo andar, a Helena Stigger, que estudava cinema como eu e já tinha por prática passar filmes a cada duas semanas no teatro da Maison du Brésil. Conversando com ela, tive a idéia: e por que não juntar os filmes e esses pesquisadores? Ao nosso interesse, juntou-se Gladson Dalmonech, também um amante de cinema. Conversamos um pouco mais e chegamos ao formato: o estudante que quisesse apresentar escolheria o filme a ser passado, adequado às discussões sobre as suas questões de pesquisa. Após o filme, uma breve palestra com esse pesquisador e a abertura para as perguntas das pessoas na platéia, mediada por um de nós três.
Resolvemos que isso deveria ter um nome, algo como uma marca que o diferenciasse da pura e simples apresentação dos filmes. Gladson, como bom publicitário, criou o nome - que até hoje acho excelente: 'Cinesthesis - ciclo de debates entre cinema e pesquisa'. Criou também um logotipo, uma claquete cinematográfica, para ser colocado no cartaz que anunciaria o evento.
Realizamos apresentações do Cinesthesis durante todo o ano de 2010, até dezembro, quando chegou a hora de voltarmos, os três, para o Brasil. Saímos daqui com aquela sensação boa de ter feito algo legal, que forneceu espaço para que as pessoas conhecessem melhor os temas umas das outras e pudessem discutir sobre eles de uma maneira mais aberta, diferente de uma apresentação formal de pesquisa.
Passou o tempo, todos nós voltamos para as nossas rotinas, e o período aqui na França parecia ter ficado para trás, repleto de lembranças boas e ruins, mas com aquela aura de algo que já é pertencente ao passado. Às vezes, como um sonho.
Bom, e agora, por essas voltas inesperadas que a vida às vezes dá na gente, estou de volta. É estranho às vezes, estar novamente aqui na Maison du Brésil, este espaço tão conhecido, mas agora habitado por outras carinhas ansiosas, outras pesquisas, outras nacionalidades. Estranho e bom, como se a renovação do exterior permitisse e incentivasse também a renovação interna de todos nós.
Na primeira semana que estava aqui, estava chegando do supermercado (puxando aquele carrinho escrito 'c'est toujours moi qui fait les courses', que os que moraram aqui conhecem tão bem...), e o Fred, recepcionista daqui, me aponta a porta do elevador, dizendo: 'olha o que vai acontecer na semana que vem!'. Eu olhei, e a minha sensação foi a de quem foi ali rapidinho e fez... uma breve viagem no tempo: ali, pregadinho na porta do elevador, estava o cartaz do Cinesthesis, igualzinho ao que fazíamos!
Descobri então, que o evento continuava! Continuou durante todo o ano de 2011 e resistiu bravamente até agora, quase metade de 2012. Confesso que fiquei bem feliz de ver essa continuidade. E fui assistir ao filme, claro!
E esta semana serei eu, então, a apresentar um pedacinho da minha tese no Cinesthesis, essa criação coletiva de três estudantes que amam cinema e tinham curiosidade para saber mais das pesquisas dos amigos. Fiquei muito feliz com o convite para participar e mais ainda de ver que o evento, pelo qual tenho um carinho especial, resistiu ao tempo. Fugindo um pouquinho do formato habitual, não vou apresentar um filme, mas vou falar de alguns, mostrando pequenos trechos de cada e comentando a sua relação com a cidade. Relembrando tempos passados, como se fechasse um ciclo.