Salvador Dali - Mulher na janela, 1925
Um amigo, psicólogo, morador da Maison du Brésil como eu, define a nossa experiência aqui como um 'exercício do luto'. Explico: a maior parte de nós vem para cá - alguns do Brasil, alguns de outros países - deixando todos os seus laços de afeto nos países de origem. Família, amigos, maridos, esposas, filhos, ficam como que 'congelados', à espera de que o período da nossa estadia aqui passe e retornemos.
É claro que quando chegamos fazemos novos laços de amizade. Outras relações se constroem, o que nos ajuda a suportar o que, por vezes, é um período de muita solidão em um país nem sempre acolhedor.
É aí que entra uma característica do Brasil, e dos brasileiros particularmente, que ajuda e atrapalha ao mesmo tempo: a tal da cordialidade. Graças à ela, as amizades nascem e se fortalecem muito rápido. Experiência própria: assim que chegamos, somos convidados para festas, somos acolhidos com carinho, somos ajudados nos primeiros passos em terras francesas, que nem sempre são evidentes. Fazemos tudo isso em retorno a quem chega depois da gente e isso cria uma cadeia de ligação entre todos.
Encontramos as mesmas pessoas todos os dias: na portaria, no elevador, na cozinha. Construímos laços. É com elas que conversamos se o dia foi ruim. É com elas que comemoramos as pequenas vitórias: um exposé bem feito, um memoire defendido, um livro difícil que conseguimos encontrar, um elogio qualquer do directeur de thèse. Elas se tornam a nossa família. De alguma maneira, o 'porto seguro' para o qual retornamos todos os dias.
E, um dia, acaba o período no qual elas devem ficar aqui. De repente, aquele rapaz de Fortaleza que você via todos os dias fazendo uma salada na cozinha não está mais lá. A moça belga que você achava tão fechada nos primeiros dias, mas depois descobriu o quanto ela era simpática e doce, retornou para Bruxelas. O casal baiano cuja porta estava sempre aberta para os amigos que quisessem entrar e tomar um vinho já está de volta a Salvador. E por aí vai... A gente se apega e eles vão embora.
Claro que as verdadeiras amizades formadas não se esvanecem com essa partida. Os contatos permanecem, o que acaba criando uma rede de pessoas próximas espalhadas por vários lugares do mundo. Mas é difícil ver aqueles apartamentos - das pessoas que conhecíamos tão bem - voltarem a ser ocupados, é esquisito ver as carinhas novas nas cozinhas à noite, é estranho não dançar mais com aqueles amigos nas festas, e, especialmente, é muito difícil não tê-los mais por perto quando queremos conversar, desabafar ou comemorar alguma coisa.
Aos poucos vamos acostumando com os recém-chegados, como outros já haviam se acostumado conosco quando chegamos. Damos dicas sobre a cidade, começamos a encontrar toda noite, começamos a convidar para as festas e piqueniques. E o ciclo continua... até chegar o dia no qual mesmo essas novas pessoas - ou nós, desta vez - partimos.
É mesmo, como bem nomeou mais um dos amigos que, daqui a pouco também vai nos deixar, um 'exercício do luto'...
Pode acreditar. Como todo luto, esta experiência e da morte de algo e o nascimento de outro. Ao mesmo tempo, a vivência do desterro nos faz sentir o quanto somos enraizados no outro território de onde saímos. Como diria Simmel, e a experiência do estrangeiro, e uma experiência de distanciamento e aproximação. Por esta razão, um bom ponto de vista sobre nos mesmos.
ResponderExcluirPois é querida amiga, o pior de tudo é que serei a última do "nosso ciclo". Mas ficarei feliz em poder descfrutar de todos esses momentos entre amigos, os amigos que fiz aqui em Paris!
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