Sou formada em arquitetura. Embora hoje em dia não exerça a profissão em seu sentido estrito, ou seja, não trabalho mais com o desenvolvimento de projetos arquitetônicos, há um aspecto do ofício de arquiteto que sempre me incomodou: o autor nunca tem o controle do resultado final do seu projeto. Entre o que está na sua mente e se expressa em seus desenhos, e a obra final, concreta, há um sem número de variáveis: as modificações ao longo do processo em função dos projetos complementares (estruturais, hidrosanitários, etc...), as mudanças feitas de última hora pelo cliente - muitas vezes em função de limitações no orçamento -, os erros que podem acontecer durante a obra e que têm que ser resolvidos, acarretando, muitas vezes, adaptações que não constavam do projeto original... enfim, são muitas as situações nas quais um projeto pode adquirir uma forma absolutamente diversa daquela sob a qual foi concebido. Isso é inerente à profissão, claro. Uma obra de arquitetura é algo complexo que lida com muitas variáveis, objetivas e subjetivas. Isso, às vezes, é responsável por frustrações nos autores de um projeto.
Como vim ao mundo com o sério 'defeito de fabricação' de ser controladora ao extremo, esse 'gap' entre o que eu crio e o que efetivamente é jogado no mundo sempre foi uma questão importante para mim.
Há alguns anos atrás, comecei a migrar da área de criação de projetos arquitetônicos em direção a outras formas de trabalhar com a arquitetura: fiz um mestrado já focado na área teórica, me tornei professora, fui me interessando cada vez mais por outras possibilidades, outros campos de conhecimento, outros pontos de vista. Arquitetura não é algo que se exerce 'nas horas vagas', e lá pelas tantas, entendi que não conseguiria manter as duas atividades: a teórica e a prática. Assim, acabei fazendo uma opção. Nunca me considerei 'menos' arquiteta por causa disso: fiz o que fiz e tive a trajetória que tive exatamente por causa da minha formação como arquiteta, ainda que tenha, aos poucos, deixado de lado o aspecto mais visível da profissão.
Ainda assim, sempre me fez falta exercitar a criatividade em coisas concretas. Embora criatividade seja algo que atravesse a vida e possa se expressar de diversas maneiras - em uma aula, em um artigo, em uma abordagem de qualquer assunto -, o ato de 'produzir' algo - muitas vezes tirado do nada, apenas da própria mente - sempre me fascinou. Seja um projeto arquitetônico, seja um simples objeto.
Há alguns anos, enquanto fazia mestrado em São Paulo, descobri um novo campo onde exercitar essa criatividade: a joalheira. Não o simples design das jóias, mas todo o processo: da concepção ao desenho, chegando até a execução do objeto. Na época, fiz, em paralelo às disciplinas do mestrado em arquitetura na FAU/USP, um curso de técnicas de execução de joalheira, e... adorei!
Durante um ano, mergulhei no mundo da prata, dando forma ao metal através da laminação, da solda, da forja, das cravações de pedras. Ia para as aulas com um ânimo que às vezes me fazia emendar a tarde com a noite e sair do atelier na Vila Madalena depois de uma jornada de oito horas contínuas junto com o último aluno. As mãos viviam cheias de calos, machucadas e queimadas. Manicure? Esquece, dinheiro jogado fora... E eu continuava adorando. Meu professor era um designer excelente, exigente e perfeccionista, que me incutiu um grau de exigência com o trabalho e com o desenho que me agradaram enormemente.
O tempo passou, as disciplinas do mestrado acabaram e eu mudei de São Paulo, interrompendo as aulas, que me fizeram uma gigantesca falta. Voltei para Vitória e durante algum tempo ainda continuei praticando, em um atelier que montei na minha casa. Adorava quando saía com uma peça feita por mim e as pessoas reparavam, elogiavam, perguntavam onde eu tinha adquirido. Mas a vida se impõe. As aulas começaram a exigir tempo de preparação, outras atividades passaram a tomar mais espaço e o 'bichinho' inquieto que mora dentro de mim começou a sussurrar no meu ouvido: 'como assim, vai ficar aí parada? e o doutorado?'
A joalheria acabou ficando para trás. De vez em quando olhava para os meus equipamentos lá, parados, juntando poeira, e sentia até um apertinho no coração. Mas... vida que segue! Não posso reclamar, neste período fiz muitas coisas bacanas: reformei uma casa, publiquei um livro, entrei no almejado doutorado, fui morar no Rio, depois em Paris... e o laminador, o maçarico, a politriz ficaram lá, paradinhos, tristinhos, esperando o dia em que eu ia olhar para eles de novo.
Depois do doutorado já nem estava mais lembrando que um dia eu, como Vulcano, o deus grego que manipulava os metais, conseguia pegar um pedaço maciço de prata e martelar, cortar e soldar até dali tirar um anel, um bracelete, uma gargantilha.
Mas aí... vem aquela sensação do '...e agora?...' que sempre se apodera de quem termina uma tarefa à qual dedicou muito tempo e energia. A gente volta para a vida 'normal', mas esse normal, depois que conseguimos descansar e nos recuperarmos de toda aquela energia dispendida, parece, simplesmente... pouco.
Em um desses dias - nos quais ter como tarefa apenas o emprego se assemelha a férias ('como? nada prá ler, nada prá pesquisar, nenhum artigo prá escrever?') - olhei pros meus velhos equipamentos e eles estavam lá: quase enferrujando por falta de uso. No mesmo dia, me deu um 'clic' e não sosseguei até achar um atelier onde pudesse retomar as aulas abandonadas há tantos anos atrás.
No primeiro dia em que retornei às aulas de joalheria e que fui fundir a liga de metais para fazer a prata, fui vendo aquela mistura de metais ficando quase branca, depois rosada, até se liquefazer prateada sob a chama do meu maçarico, e entendi: eu realmente adoro isso!
Mal posso esperar para ter meus calos de volta!...
Como vim ao mundo com o sério 'defeito de fabricação' de ser controladora ao extremo, esse 'gap' entre o que eu crio e o que efetivamente é jogado no mundo sempre foi uma questão importante para mim.
Há alguns anos atrás, comecei a migrar da área de criação de projetos arquitetônicos em direção a outras formas de trabalhar com a arquitetura: fiz um mestrado já focado na área teórica, me tornei professora, fui me interessando cada vez mais por outras possibilidades, outros campos de conhecimento, outros pontos de vista. Arquitetura não é algo que se exerce 'nas horas vagas', e lá pelas tantas, entendi que não conseguiria manter as duas atividades: a teórica e a prática. Assim, acabei fazendo uma opção. Nunca me considerei 'menos' arquiteta por causa disso: fiz o que fiz e tive a trajetória que tive exatamente por causa da minha formação como arquiteta, ainda que tenha, aos poucos, deixado de lado o aspecto mais visível da profissão.
Ainda assim, sempre me fez falta exercitar a criatividade em coisas concretas. Embora criatividade seja algo que atravesse a vida e possa se expressar de diversas maneiras - em uma aula, em um artigo, em uma abordagem de qualquer assunto -, o ato de 'produzir' algo - muitas vezes tirado do nada, apenas da própria mente - sempre me fascinou. Seja um projeto arquitetônico, seja um simples objeto.
Há alguns anos, enquanto fazia mestrado em São Paulo, descobri um novo campo onde exercitar essa criatividade: a joalheira. Não o simples design das jóias, mas todo o processo: da concepção ao desenho, chegando até a execução do objeto. Na época, fiz, em paralelo às disciplinas do mestrado em arquitetura na FAU/USP, um curso de técnicas de execução de joalheira, e... adorei!
Durante um ano, mergulhei no mundo da prata, dando forma ao metal através da laminação, da solda, da forja, das cravações de pedras. Ia para as aulas com um ânimo que às vezes me fazia emendar a tarde com a noite e sair do atelier na Vila Madalena depois de uma jornada de oito horas contínuas junto com o último aluno. As mãos viviam cheias de calos, machucadas e queimadas. Manicure? Esquece, dinheiro jogado fora... E eu continuava adorando. Meu professor era um designer excelente, exigente e perfeccionista, que me incutiu um grau de exigência com o trabalho e com o desenho que me agradaram enormemente.
O tempo passou, as disciplinas do mestrado acabaram e eu mudei de São Paulo, interrompendo as aulas, que me fizeram uma gigantesca falta. Voltei para Vitória e durante algum tempo ainda continuei praticando, em um atelier que montei na minha casa. Adorava quando saía com uma peça feita por mim e as pessoas reparavam, elogiavam, perguntavam onde eu tinha adquirido. Mas a vida se impõe. As aulas começaram a exigir tempo de preparação, outras atividades passaram a tomar mais espaço e o 'bichinho' inquieto que mora dentro de mim começou a sussurrar no meu ouvido: 'como assim, vai ficar aí parada? e o doutorado?'
A joalheria acabou ficando para trás. De vez em quando olhava para os meus equipamentos lá, parados, juntando poeira, e sentia até um apertinho no coração. Mas... vida que segue! Não posso reclamar, neste período fiz muitas coisas bacanas: reformei uma casa, publiquei um livro, entrei no almejado doutorado, fui morar no Rio, depois em Paris... e o laminador, o maçarico, a politriz ficaram lá, paradinhos, tristinhos, esperando o dia em que eu ia olhar para eles de novo.
Depois do doutorado já nem estava mais lembrando que um dia eu, como Vulcano, o deus grego que manipulava os metais, conseguia pegar um pedaço maciço de prata e martelar, cortar e soldar até dali tirar um anel, um bracelete, uma gargantilha.
Mas aí... vem aquela sensação do '...e agora?...' que sempre se apodera de quem termina uma tarefa à qual dedicou muito tempo e energia. A gente volta para a vida 'normal', mas esse normal, depois que conseguimos descansar e nos recuperarmos de toda aquela energia dispendida, parece, simplesmente... pouco.
Em um desses dias - nos quais ter como tarefa apenas o emprego se assemelha a férias ('como? nada prá ler, nada prá pesquisar, nenhum artigo prá escrever?') - olhei pros meus velhos equipamentos e eles estavam lá: quase enferrujando por falta de uso. No mesmo dia, me deu um 'clic' e não sosseguei até achar um atelier onde pudesse retomar as aulas abandonadas há tantos anos atrás.
No primeiro dia em que retornei às aulas de joalheria e que fui fundir a liga de metais para fazer a prata, fui vendo aquela mistura de metais ficando quase branca, depois rosada, até se liquefazer prateada sob a chama do meu maçarico, e entendi: eu realmente adoro isso!
Mal posso esperar para ter meus calos de volta!...
Adorei =)
ResponderExcluirHoje mesmo, estava pensando em coisas que poderiam dar prazer de fazer e, tenha certeza, fazer jóias foi a que ficou mais tempo na minha cabeça!
Aí venho aqui, e o que leio?!
Achei supèr!!
Estou na torcida para que faças muuuuitas coisas, que com certeza serão lindas, e compartilhe conosco, por fotos aqui no teu blog =)
E que o calos e queimaduras que virão serão para dizer ao mundo: Eu me divirto!
beijão e sucesso =*
Ah, Yara, estou mesmo me surpreendendo em como tenho me divertido nessa volta para o mundo da ourivesaria! Fiz umas peças simples por enquanto, para relembrar as técnicas básicas. mas já estou reativando o meu atelier de casa e quando fizer alguma coisa que valha a pena, coloco umas fotos aqui, prometo!
ResponderExcluirBeijos, querida!