16.9.10

A paixão


Há uma coisa muito boa em estudar cinema: muitas pessoas que sabem do meu interesse vem me falar de filmes que assistiram e gostaram. Assim foi com 'Dans ses yeux' (El secreto de sus ojos, 2009), o filme dirigido pelo argentino Juan Jose Campanella que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano.
O meu orientador de doutorado no Brasil me falou do filme. A minha 'directrice de thèse' aqui da França também me falou dele. Vários amigos comentaram sobre o roteiro, a direção, as atuações, sempre com elogios. Falha minha: não tinha aparecido ainda a oportunidade de vê-lo. Até ontem, quando finalmente, consegui parar e assisti-lo.
Não há o que falar sobre o filme que não vá repetir tudo o que a crítica e vários outros blogs já escreveram sobre ele. É um policial, mas é também uma história de amor. É um filme com clichês, mas esperto o suficiente para saber a hora de sair deles. Tem soberbas atuações, em especial de Ricardo Darin e Soledad Villamil. Tem uma direção segura, que precisou fazer pouca coisa além de deixar espaço para o genial roteiro baseado no livro de Eduardo Sacheri (e adaptado pelo próprio escritor com a colaboração de Campanella).
O roteiro, na verdade, é o que mais impressiona no filme: tudo se encaixa. Não há pontas soltas. De mínimas coisas como um bilhete com uma única palavra escrita à mão ('temo') à uma máquina de escrever na qual falta a letra 'a', tudo tem o seu lugar, tudo se liga de maneira surpreendente, tudo compõe a história sem deixá-la pedagogicamente simples, mas também sem complicá-la desnecessariamente.
Uma coisa, porém, me chamou a atenção em tudo que li sobre o filme (sou obsessiva, quando gosto realmente de algo, vou atrás de mais informações). Em nenhum lugar eu li o que interpretei como sendo a sua verdadeira questão: a paixão humana e o poder que ela tem de nos tirar - a todos - das posições estabelecidas. Sim, é um filme policial. Sim, é uma história de amor. Sim, também é a história, terrível, de uma vingança. Mas, acima disto tudo - ou melhor, atravessando isso tudo - ela está lá: a paixão. A paixão do assassino pela sua vítima, que o levou ao crime. A paixão deste mesmo assassino pelo futebol, que acabou por causar a sua prisão. A paixão do marido da vítima pela vingança, que conduziu e modificou toda a sua vida. A paixão mais evidente de todas, do policial pela juíza que conduziu o caso, e que durou os vinte e cinco anos através dos quais se estende a história. A paixão pela bebida, pelos bares e pela vida boêmia, encarnada por um dos policiais, uma das figuras mais interessantes do filme, e quem vai colocar em cena essa questão central, aquela que, a meu ver, atravessará qualquer tentativa de interpretar a história colocada em cena por Campanella. A certo momento, ele, falando com o seu parceiro como se estivesse se dirigindo à uma criança, dá a chave para tudo o que acontece na película. E o que ele afirma é algo como: 'Você pode mudar tudo na vida de um homem. Sua casa, suas feições, seu emprego, seus amigos, suas mulheres. Você só não consegue fazer com que ele mude as suas paixões'.
Essa frase explica o filme inteiro. Na verdade, essa frase explica muito do inexplicável e irracional da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário