O pensador francês Guy Debord, em sua obra mais conhecida, 'A Sociedade do Espetáculo', preconizou - ainda em 1967 - algo que vemos acontecer muito fortemente hoje: a vida em um mundo banalizado pelas imagens. Uma realidade na qual tudo é passível de se tornar 'espetáculo', e esta transformação seria exatamente o que conferiria o caráter de realidade aos acontecimentos.
Debord desenvolveu a sua teoria há quase meio século, quando ainda não tínhamos o acesso fácil à todas as tecnologias de registro de imagem que possuímos hoje: câmeras digitais com resoluções cada vez maiores, celulares que nos permitem fotografar e filmar (e enviar em tempo real para sites, amigos e redes sociais) tudo o que acontece ao nosso redor, possibilidades quase ilimitadas de incorporar o registro de imagens em nosso cotidiano.
No tempo em que o francês escrevia, registrar uma imagem ainda era algo que exigia atravessar algumas etapas: alimentar uma câmera com um filme, registrar as fotos desejadas, rebobinar o filme, levar para revelar, esperar alguns dias até poder conferir o resultado. Para a nossa percepção moderna, acostumada a verificar a imagem imediatamente após o 'click', parece impensável esperar tanto para saber o resultado imagético daquele apertar de botão de algum tempo atrás.
E quando esse resultado nem mesmo é conferido? Qual seria o sentido de fazer milhares de fotos e nunca revelar nenhuma? Qual a paixão necessária para encher rolos e rolos de filmes fotográficos ao redor de vários países do mundo e... nunca - sim, eu disse nunca - colocar nenhum deles para ser copiado em papel?
Então, essa é a hora da historinha. Vamos lá:
Era uma vez uma mulher.
Poderíamos descrever essa mulher rapidamente como uma americana, que nasceu em NY na década de 20, morou na França algum tempo e quando retornou aos Estados Unidos passou o resto da vida trabalhando como babá.
Pronto, contamos a história de uma vida, a história de uma mulher. Mas Vivian Maier foi muito mais que uma mulher que gostava de crianças e escolheu trabalhar cuidando delas. Ela foi uma mulher dotada de um olhar. De uma sensibilidade apurada. De um senso estético raro.
Maier passou boa parte da sua vida fotografando. Começou pela sua cidade, depois resolveu tirar uma licença de seis meses do trabalho e saiu pelo mundo, olhando e registrando imagens.
Depois de sua morte, deixou dívidas. Por causa delas, alguns de seus bens foram à leilão. Neste leilão, os filmes foram comprados por um pesquisador que procurava por imagens que lhe ajudassem em seu trabalho sobre a história de um dos bairros de Chicago.
Isso foi em 2007. A partir daí, Vivian Maier passou a existir para o mundo.
As suas fotos são criativas, com belos enquadramentos, ângulos fortes e temas variados, que gravitavam em torno de uma questão central: cidades. Da arquitetura angulosa aos sem-teto nas ruas, passando por casais amorosos e crianças em gestos espontâneos, a fotógrafa registrou cenas diversas.
É através destas cenas que podemos, hoje, nos apaixonarmos pelo que ela viu, pelo seu olhar que criou estas cenas, pela sua percepção que filtrou e selecionou estas paisagens urbanas e humanas, 'enfiando-as' em pequenos rolos de filmes para que, tantos anos depois, o seu mundo e o seu olhar nos fossem revelados.
Rolos de filmes que poderiam ter ido parar no lixo, hoje são qual minúsculas 'cápsulas do tempo' que nos chegam depois de quase meio século e, uma vez abertas, nos emocionam e nos suscitam questões, como as melhores obras de arte sempre têm o poder de fazer.
Mais sobre a obra de Vivian Maier no site da revista Obvious e no blog criado para a divulgação das suas fotos pelo pesquisador que as descobriu.
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Meses depois deste post, me deparo com outra reportagem sobre a fotógrafa. Desta vez, o tema são os auto retratos que ela fez, ao longo de diversas épocas e em várias situações. Inseri este exemplo aí da cima e não resisti em acrescentar a reportagem aqui no blog. Se tiver interesse, venha aqui.
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