25.9.10

Cores - ainda Marrakech...















"...Eu ando pelo mundo
prestando atenção em cores
que eu não sei o nome.
Cores de Almodóvar,
cores de Frida Kahlo...
Cores!..."
Esquadros - Adriana Calcanhoto

























23.9.10

Paris parou!















Há alguns dias vem sendo anunciado: dia 23 a cidade vai parar. E parou mesmo! Ao menos uma parte dela. Os RERs praticamente não funcionaram. O ônibus que eu tomei parou depois de rodar dois quarteirões. As pessoas estavam nas ruas, tomando conta dos espaços. Claro, com uma certa organização, que afinal de contas eles são franceses. Mas é bonito ver gente de todas as idades nas ruas com cartazes feitos por elas mesmas, reclamando: da aposentadoria que teve seu prazo ampliado, do desemprego, das políticas adotadas pelo governo Sarkozy, o impopular 'Sarko'.
A escultura do Leão de Belfort, feita por Bartholdi (o mesmo que realizou a Estátua da Liberdade, que os franceses ofereceram aos norte-americanos), localizada bem ao centro da Place Denfert-Rochereau foi o palco privilegiado para as reivindicações. O outono abriu 'quente' nas terras francesas!...





16.9.10

A paixão


Há uma coisa muito boa em estudar cinema: muitas pessoas que sabem do meu interesse vem me falar de filmes que assistiram e gostaram. Assim foi com 'Dans ses yeux' (El secreto de sus ojos, 2009), o filme dirigido pelo argentino Juan Jose Campanella que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro deste ano.
O meu orientador de doutorado no Brasil me falou do filme. A minha 'directrice de thèse' aqui da França também me falou dele. Vários amigos comentaram sobre o roteiro, a direção, as atuações, sempre com elogios. Falha minha: não tinha aparecido ainda a oportunidade de vê-lo. Até ontem, quando finalmente, consegui parar e assisti-lo.
Não há o que falar sobre o filme que não vá repetir tudo o que a crítica e vários outros blogs já escreveram sobre ele. É um policial, mas é também uma história de amor. É um filme com clichês, mas esperto o suficiente para saber a hora de sair deles. Tem soberbas atuações, em especial de Ricardo Darin e Soledad Villamil. Tem uma direção segura, que precisou fazer pouca coisa além de deixar espaço para o genial roteiro baseado no livro de Eduardo Sacheri (e adaptado pelo próprio escritor com a colaboração de Campanella).
O roteiro, na verdade, é o que mais impressiona no filme: tudo se encaixa. Não há pontas soltas. De mínimas coisas como um bilhete com uma única palavra escrita à mão ('temo') à uma máquina de escrever na qual falta a letra 'a', tudo tem o seu lugar, tudo se liga de maneira surpreendente, tudo compõe a história sem deixá-la pedagogicamente simples, mas também sem complicá-la desnecessariamente.
Uma coisa, porém, me chamou a atenção em tudo que li sobre o filme (sou obsessiva, quando gosto realmente de algo, vou atrás de mais informações). Em nenhum lugar eu li o que interpretei como sendo a sua verdadeira questão: a paixão humana e o poder que ela tem de nos tirar - a todos - das posições estabelecidas. Sim, é um filme policial. Sim, é uma história de amor. Sim, também é a história, terrível, de uma vingança. Mas, acima disto tudo - ou melhor, atravessando isso tudo - ela está lá: a paixão. A paixão do assassino pela sua vítima, que o levou ao crime. A paixão deste mesmo assassino pelo futebol, que acabou por causar a sua prisão. A paixão do marido da vítima pela vingança, que conduziu e modificou toda a sua vida. A paixão mais evidente de todas, do policial pela juíza que conduziu o caso, e que durou os vinte e cinco anos através dos quais se estende a história. A paixão pela bebida, pelos bares e pela vida boêmia, encarnada por um dos policiais, uma das figuras mais interessantes do filme, e quem vai colocar em cena essa questão central, aquela que, a meu ver, atravessará qualquer tentativa de interpretar a história colocada em cena por Campanella. A certo momento, ele, falando com o seu parceiro como se estivesse se dirigindo à uma criança, dá a chave para tudo o que acontece na película. E o que ele afirma é algo como: 'Você pode mudar tudo na vida de um homem. Sua casa, suas feições, seu emprego, seus amigos, suas mulheres. Você só não consegue fazer com que ele mude as suas paixões'.
Essa frase explica o filme inteiro. Na verdade, essa frase explica muito do inexplicável e irracional da vida.

15.9.10

A cidade (in)visível - Marrakech 3

"Para falar de Pentesiléia, eu deveria começar descrevendo o ingresso na cidade. Você sem dúvida imagina ver elevar-se no planalto poeirento uma cinta de muralhas, aproximar-se passo a passo da sua porta, vigiada por guardas aduaneiros que fitam com suspeita os seus pacotes. Até alcançá-la, você permanece do lado de fora; depois de passar sob uma arcada, você se encontra dentro da cidade; você se sente circundado por seu espessor compacto; entalhado na pedra, há um desenho que se revelará se você seguir o seu traçado anguloso.

Se você acredita nisso, engana-se: Pentesiléia é diferente. Você avança por horas e não sabe com certeza se já está no meio da cidade ou se permanece do lado de fora. Como um lago de margens baixas que se perde em lodaçais, Pentesiléia expande-se por diversas milhas ao seu redor numa sopa de cidade diluída no planalto: edifícios pálidos que dão as costas para prados insípidos, entre paliçadas de varas e telhados de zinco."

Italo Calvino - As cidade invisíveis





14.9.10

A cidade (in)visível - Marrakech 2

"Quem viaja sem saber o que esperar da cidade que encontrará ao final do caminho, pergunta-se como será o palácio real, a caserna, o moinho, o teatro, o bazar. Em cada cidade do império os edifícios são diferentes e dispostos de maneiras diversas: mas, assim que o estrangeiro chega à cidade e lança o olhar em meio às cúpulas de pagode e clarabóias e celeiros, seguindo traçado de canais tortos e depósitos de lixo, logo distingue quais são os palácios dos príncipes, quais são os templos dos grandes sacerdotes, a taberna, a prisão, a zona. Assim - dizem alguns - confirma-se a hipótese de que cada pessoa tem em mente uma cidade feita exclusivamente de diferenças, uma cidade sem figura e sem forma, preenchida pelas cidades particulares."
Italo Calvino - As cidades invisíveis










13.9.10

A cidade (in)visível - Marrakech 1

"Partindo dali e caminhando três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega em uma noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!..., é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes."
Italo Calvino - As cidades invisíveis











12.9.10

A arte de negociar















"No Marrocos nada tem preço fixo.
O valor que eu te digo hoje pode não ser o mesmo de amanhã.
Não se aceita o primeiro valor apresentado, é preciso conversar.
Negociar é um prazer e uma arte."
O rapaz marroquino, muito simpático, ao responder a minha pergunta sobre o preço do bracelete de prata, me elenca as regras para realizar uma compra em Marrakech. O resumo: tudo precisa ser negociado. E negociar é algo que os marroquinos sabem fazer, com simpatia, afetividade, humor, respeito.
No início pode ser cansativo. Não é possível simplesmente entrar em uma loja, perguntar o preço de algo, pagar e sair com o produto. Isso seria uma ofensa ao negociante, que, afinal de contas, está ali para... negociar! Você pergunta o preço e ele te responde, com um sorriso: quanto você quer pagar?
Uma amiga definiu bem: segundo ela, a negociação é, para o negociante, o mesmo que um diagnóstico seria para um médico. Ou seja, o cerne da sua profissão. Entrar em uma loja e não deixar que ele exerça o seu ofício seria o mesmo que ir ao médico simplesmente para pedir uma receita, sem lhe dar a oportunidade de realizar um exame ou diagnóstico.
Depois que a gente se acostuma, começa a ficar interessante. Vira um jogo. Você diz quanto quer pagar e a discussão começa. Como no pôquer: as duas partes blefam, escondem os valores reais e se divertem em enganar o outro. Ao final, quando se chega a um consenso, o vendedor (como um bom jogador que quer dar a ilusão de que o oponente ganhou o jogo), te estende a mão e diz: 'felicitações!'. Assim mesmo, como se você tivesse vencido uma disputa.
É claro que ele quer ter lucro. É claro que o capitalismo estrutura a sociedade marroquina, assim como a nossa. Mas, para além disso, há um entendimento de que outras coisas podem dividir o espaço com a intenção do lucro e da acumulação de capital. Em resumo, o que senti é que o sujeito quer fazer a diferença. Se ele estivesse ali apenas para responder o preço, embalar a mercadoria e te entregar com um sorriso, ele seria facilmente substituível. Por outra pessoa, ou, no limite, até mesmo por uma máquina. Negociar é uma reafirmação da sua humanidade e um depoimento de seu valor.
Mais para o final da viagem, quando já me sentia mais segura para negociar e fazer perguntas, um dos vendedores com quem conversei me disse que os piores turistas são os norte-americanos, que pagam o primeiro preço que é pedido, sem negociação nenhuma. Ou seja, que não os deixam exercer o que lhes é importante.
Saí de Marrakech com uma visão diferente sobre uma coisa para a qual nunca tive muita paciência, que é exatamente esse processo da negociação, que achava cansativo, chato e trabalhoso. Entendi mesmo que isso te livra de aquisições supérfluas, compradas apenas porque estavam com reduções de preço que, na maioria das vezes, são totalmente abstratas. Acho que vou começar a aplicar o que aprendi sobre a arte da negociação aqui em Paris, com os franceses!...