29.11.11

Pontes lançadas sobre o abismo dos desejos


Tese terminada. Ponto final colocado e, ato contínuo, aquela pergunta inevitável: e agora, José?
Não faço parte daquele grupo que, finalizada a etapa do doutorado, vai à caça dos concursos nas Universidades Federais. Não sei se por sorte ou azar, passei no primeiro concurso que fiz, ainda recém saída da graduação, quando ainda pensava que ser arquiteta seria passar a vida desenvolvendo projetos de residências, lojas, restaurantes.
Fui aprovada no concurso e... voilà!, me vi entrando em uma rotina de alunos com alguns poucos anos a mais que eu, aulas que me faziam - e fazem, até hoje - acordar às seis da manhã e ir dirigindo com cara de zumbi até entrar nas salas repletas de pranchetas, e, atrás de cada uma delas, uma carinha também sonolenta que me cumprimentava com aquela palavrinha que passou a me designar incessantemente: 'bom dia, prof!'
Enfim, sou professora há muitos anos. Tantos, que hoje já tenho alunos que formaram, fizeram mestrado e dividem as salas de aula junto comigo, o que, confesso, me dá um super orgulho...
Mas, e a tal da pergunta? E agora, José? Tese terminada, aulas retomadas, o que fazer com os últimos cinco anos da vida nos quais a rotina era acordar, tomar café e sentar no computador para escrever?
Ainda não tenho a resposta para isso. Mas, confesso, já sinto o enorme vazio que o término de um trabalho deste porte causa. Por enquanto, ainda tenho uma desculpa para não encará-lo, ao vazio, de frente: a defesa! E é ela que vem a se tornar o motivo deste post. Afinal, algumas pessoas acompanharam desde o início a minha ida para Paris - que foi o motivo inicial para criar o blog -, as experiências vividas lá, o meu retorno e os meses finais de escrita. Nada mais justo que, agora ao final, sejam convidadas, ainda que virtualmente, para a defesa!
Tive sorte de conseguir que fizessem parte da minha banca pessoas que leio e admiro há muito tempo: o meu orientador, claro, Robert Pechman; os professores do Instituto de Planejamento Urbano e Regional da Ufrj no qual faço o doutorado, Ana Clara Torres Ribeiro e Luiz Cesar Queiroz Ribeiro; e os professores Rubens Machado, da Eca Usp e Nelson Brissac Peixoto, da Puc Sp.
A defesa, então, será dia 16 de dezembro, uma sexta feira, às 10 horas da manhã, no Auditório do Ippur, 5º andar do prédio da Reitoria, no Campus do Fundão, Ufrj. É lá que as minhas "Pontes lançadas sobre o abismo dos desejos: uma investigação sobre o diálogo entre cidade e cinema" terão sua estrutura colocada à prova...
Mandem boas energias e torçam por mim!
Quanto a minha perguntinha com a qual iniciei o texto... de vez em quando voltarei aqui para dar notícias das respostas que, certamente, irei descobrindo para ela.

2.11.11

Pessoas admiráveis


George Tooker - Landscape with figures

De vez em quando paro para pensar em quanta gente admirável há no mundo. Em todos os tempos, em todas as culturas, temos pessoas que, em algum momento, conseguiram se elevar acima da sua própria realidade para enxergá-la mais do alto, traçando um panorama a partir desta visão mais larga.
Penso nisso de maneira abrangente, em diversas áreas: na filosofia, sociologia, física, ciências naturais. Nas artes, então, não dá nem para esmiuçar. Ser artista é, de alguma maneira, ter essa 'antena' ligada o tempo inteiro para o que está ao redor, fazendo, com suas obras - sejam elas livros, pinturas, filmes - uma interpretação (ou, à vezes, antecipação) da realidade.
Mas comecei a falar desse assunto por causa de um homem em especial. Um alemão que viveu na virada do século XIX para o XX e, olhando as profundas modificações que aconteciam na forma de vida daquele momento, resolveu analisá-las. E como o fez! Georg Simmel escreveu sobre a sociedade, o amor, o dinheiro, a moda, a arte, as formas que as pessoas têm de se agruparem e as maneiras como escolhem à quais grupos pertencer... Muito antes de ouvirmos a respeito das 'tribos' que passaram a transitar pelas grandes cidades ao final do século XX, Simmel já tinha escrito sobre elas, ainda que não as tenha nomeado desta maneira.
Ele foi o primeiro que, olhando para Berlim, aquela cidade que crescia cada vez mais rapidamente, começou a pensar em algo que ninguém havia pensado antes: 'como é que essa vida atinge a psique dos indivíduos?' ou 'quais as consequências da vida metropolitana para a subjetividade dos que dela compartilham?' Simmel via as pessoas vivenciarem situações até então inéditas, como sentar-se à frente de outras pessoas em um bonde e permanecer ali algum tempo em absoluto silêncio. Para nós, acostumados à impessoalidade dos contatos na metrópole contemporânea, pensar nisso exige um esforço, já que esse comportamento é mais que naturalizado entre os cidadãos de qualquer metrópole nos dias de hoje. Simmel pensou nestas questões e em muitas outras, construindo uma obra vasta e que se derrama por múltiplos assuntos.
E agora, um século depois, como ficam as teorias do sociólogo? A partir desta questão, está sendo organizado um seminário na Ufrj, nos dias 17 e 18 de novembro.
Pensadores de diversas áreas estarão lá, conversando sobre a obra de Simmel e o seu lugar na metrópole contemporânea. A filósofa Olgária Matos, os historiadores Maria Stella Bresciani e Robert Pechman, o psicanalista Joel Birman, a socióloga francesa Claudine Haroche, dentre outros, estarão lá dialogando sobre Simmel e, especialmente, sobre o papel do seu pensamento nas metrópoles dos dias atuais.
Para quem quiser maiores informações, há um blog sobre o evento aqui.
Eu também estarei lá. Falando sobre cinema, claro!

11.10.11

E quem disse...


...que precisamos ir muito longe para encontrar temas interessantes para fotografar?
O cronista capixaba Rubem Braga dizia que "Aprender uma cidade é na verdade uma coisa lenta. É preciso saber alguma coisa e precisamos andar distraídos, bem distraídos para reparar nessa alguma coisa...”
Dando continuidade ao raciocínio do escritor, podemos afirmar: a distração, longe de ser desatenção, pode ser muito produtiva.
Hoje acordei com o olho distraído, mas 'desperto' para aquelas cenas muito triviais que nos cercam e, às quais, normalmente não damos muita atenção. E, quase sem sair do lugar, dentro da minha casa, descobri um mundo!
Seja na cena trivial do café da manhã com o reflexo inusitado da luminária, seja em detalhes das - muitas! - construções que me cercam, na primavera que - ainda tímida - começa a aparecer, nos vizinhos conversando na varanda... meu dia ficou, de repente, mais rico em imagens.
Daí, quis compartilhar com vocês.









3.10.11

Mentirinha...

Pois é, me dei conta que, inadvertidamente, contei uma mentira aqui.
Sim, estou nos momentos finais de escrita da tese. É verdade, isso me faz ter muito menos disponibilidade para escrever coisas que não sejam relacionadas a ela. Também acabo indo muito menos ao cinema, já que este é meu tema de pesquisa e assisto muita coisa em casa, filmes pertencentes a períodos específicos (fechei a parte do cinema mudo, atravessei a dos filmes dos anos trinta e estou entrando na fase dos romances noir dos anos quarenta) que são o meu objeto de pesquisa.
Enfim, estou sim, menos disponível, em função do foco neste último capítulo da tese e da vontade de dar por encerrada essa etapa da minha vida que me fez despender tanta energia e implicou em tantas e tão profundas transformações.
Mas, apesar desta pouca disponibilidade para o mundo, a literatura... Ah, esta eu não consegui deixar de lado! Ela é oxigênio para o fogo das minhas idéias, gelo para a fervura das minhas crises de inspiração, sangue que alimenta meu vampirismo por novos pensamentos, anestésico para a sempre constante dor de viver!
Não concebo o mundo sem leitura. Sou daquelas que carrega livros na bolsa e no carro, 'just in case'. Vai que você enfrenta uma fila inesperada no banco. Vai que aquele médico demora muito a te atender. Vai que... sei lá. A impressão que tenho é que, se estou com um livro, pode acontecer de tudo e tenho um bom companheiro: o fim do mundo deve ser menos aterrorizante se você estiver com um livro prá ler quando tudo passar.
Daí, depois de todas essas explicações, me desculpo pela mentirinha inadvertida que preguei, consertando: abro mão de muita coisa, mas dos livros, não!
Essa semana comecei a ler um autor com o qual não tinha muito contato. É um começo um tanto tardio, mas, talvez por isso mesmo, extremamente prazeroso.
E daí, não resisti: trago mais uma postagem daquela série 'deve ser falta do que fazer', de tanto tempo atrás. Quem ficar curioso, o post original está aqui.
Enfim, o trecho que me fez parar desta vez é esse:

"Há lugares em que morre o espírito para que nasça uma verdade que é a sua própria negação. Quando estive em Djemila, havia vento e sol, mas isto é outra estória. O que é preciso dizer, antes de tudo, é que lá reinava um silêncio pesado e compacto - algo como o equilíbrio de uma balança. Pios de pássaros, o som aveludado de uma flauta de três furos, um patinhar de cabras, rumores vindos do céu, ruídos todos que faziam o silêncio e a desolação desses lugares. De vez em quando, um estalido seco, um grito agudo, assinalavam o vôo de um pássaro escondido entre as pedras. Cada caminho seguido, atalhos em meio aos restos das casas, grandes ruas lajeadas sob as colunas luzidias, forum imenso entre o arco de triunfo e o templo numa colina, tudo leva às ravinas que de todos os lados bordejam Djemila, baralho aberto para um céu sem limites."

O autor, tão poético e tão tardiamente descoberto por mim? Albert Camus. O livro, lindo, delicioso de ler e que me faz parar, encantada, a cada página, é 'Bodas em Tipasa'.

29.9.11

É o fim!






Final de tese. Últimas semanas de escrita. Isto significa que escrever sobre qualquer coisa que não seja aquele tema sobre o qual estamos pesquisando está fora de questão. Da mesma maneira, ir ao cinema assistir a um filme apenas para diversão, ler um livro somente para distrair a mente, pensar de maneira mais elaborada sobre qualquer outro assunto que não seja aquele que nos povoa o cotidiano e os sonhos (O 'Tema da Tese', assim mesmo, com maiúsculas)... Isto tudo não é possível, durante este período, a quem decidiu se aventurar pelas águas turbulentas de um doutorado.
Mas... alguma forma de escape há de existir! A minha, encontrei na fotografia, que compartilho com vocês. E, como nada é gratuito, freudianamente me dou conta que minhas escolhas de temas neste últimos dias foram bem sintomáticas do meu momento. Imagens de um 'tempo lento' que todos nós precisamos de quando em quando... e no qual, internamente eu me refugio quando parece que o mundo gira mais rápido do que eu consigo acompanhar.

4.8.11

A abóbora de Woody


Ok, eu confesso: Woody Allen não é, atualmente, um dos meus diretores preferidos. Ok, eu também confesso: sou chata, e esse 'chata', para ser honesta, deveria ser escrito com letras maiúsculas porque sou chata MESMO, especialmente quando estou tratando de coisas que gosto muito.
Já gostei muito de Allen, achando-o mesmo genial (principalmente na fase de filmes como 'A rosa púrpura do Cairo', 'A era do rádio', Hannah e sua irmãs'), cidades são um tema para o qual estou sempre atenta, já morei em Paris, e amo cinema. Ou seja, aguardei o lançamento de 'Midnight in Paris' com muitas expectativas. Como demorei muito para assistir ao filme, tive oportunidade de, antes de vê-lo, ouvir as opiniões de muita gente a respeito dele. Pessoas cujas opiniões respeito e levo sempre em consideração gostaram muito do filme, tratando-o mesmo como uma reedição das melhores obras de Allen, ou, em alguns casos, considerando-o ainda superior.
Daí, caí na armadilha. Pensei: 'é Allen, é Paris, todo mundo gostou, não tem possibilidade de que eu não goste!' E, com esse espírito, fui, depois de semanas em cartaz, assistir ao filme de Woody. E, novamente, como tem acontecido com os últimos filmes do diretor, me decepcionei.
Claro que o filme é poético, bem mais do que os últimos do diretor. A história, um conto de fadas pós-moderno, não traz nada de muito inovador: Allen trabalha com a sensação que sempre nos acomete de que a vida seria melhor em outra época, em outro lugar, sob outras condições. Assim, coloca em cena um protagonista que, todas as noites, meia-noite em ponto, entra em um carro e é transportado para a Paris dos anos vinte, justamente naquele período que parece, ao nosso olhar contemporâneo, o mais efervescente da história da cidade.
Na tela desfilam - face aos nossos olhos e os do personagem principal - Picasso, Gauguin, Gertrude Stein, Buñuel, Cole Porter, Zelda e Scott Fitzgerald, e outros nomes míticos que habitaram a cidade durante este período de ebulição cultural. Foi justamente o convívio com essa mistura de pessoas interessantes, que pareciam se divertir incessantemente, que fez com que Hemingway criasse aquela que se tornou uma das frases símbolo da cidade: 'Paris é uma festa!' E Gil Pender, o protagonista da história (interpretado pelo fraquíssimo Owen Wilson), como uma cinderela ao contrário, toda meia-noite é transportado para essa festa.
A história é leve, e nesse sentido, é impossível não reconhecer que Allen volta a conduzir o filme com uma 'mão' despretensiosa que lhe fez falta nos últimos trabalhos, nos quais o diretor parecia se levar à sério demais.
Provavelmente, se eu tivesse ido assistir a esse mesmo filme sem saber quem é o diretor e sem ler os empolgados comentários de que o filme é 'uma homenagem a Paris', ou de que representa uma 'declaração de amor à cidade', eu até gostaria dele, mesmo sem achar nada de excepcional. O que me incomodou, na verdade, é que não consegui enxergar nada disso na película. A Paris de Allen não vai além dos clichês, assim como os personagens que desfilam na tela não têm profundidade. Assim, por mais lindas que sejam as imagens da cidade que abrem o filme, elas são apenas isso: belas cenas. Sem profundidade, reprisando uma Paris que é a meca dos turistas, que já cansamos de ver nos cartões postais e que em nada acrescentaram à imagem da cidade.
A sensação que fiquei, na verdade, é que Allen faz, em seu filme, um malabarismo com clichês: das belas imagens de Paris que já foram exaustivamente veiculadas por diversos meios, passamos para personagens que incomodam pela maneira rasa com que foram construídos. Os pintores, músicos, escritores que desfilam ante os olhos do espectador precisam ser facilmente reconhecíveis. Nesse sentido, são tratados como pouco mais que caricaturas de si próprios (os diálogos com os surrealistas, especialmente, tiveram o poder de me irritar).
Para mim, a carruagem do conto de fadas de Allen mais se pareceu à uma abóbora. Saí do filme e comecei a reler o famoso livro de Hemingway, 'Paris é uma festa'. Se é para travar contato com todo o ambiente cultural de Paris dos anos vinte, prefiro ficar com o original.

3.8.11

Os livros do Tom



Fui assistir ao documentário sobre os Novos Baianos, "Filhos de João". Permaneci ali sentada durante uma hora e meia e saí com uma sensação que tinham se passado dez minutos.
A construção do filme é leve, delicada, com um bom equilíbrio entre cenas de arquivo e depoimentos atuais, que se somam para construir um panorama - mais do que de um período da música brasileira - de um momento no qual parecia possível sonhar com uma nova sociedade.
Não vivi o auge do grupo. Mal tinha nascido quando Moraes, Pepeu, Paulinho, Baby e todos os outros pintavam de verde e amarelo o panorama musical brasileiro, antes tão influenciado pelo que vinha de fora do país. Para mim, então, o documentário teve, mais do que o sentido de memória, o gosto da descoberta. Descoberta que aquele grupo de onze pessoas era muito mais do que um grupo musical. Era sim, uma comunidade, uma tentativa de construção outra, de sonhar com a possibilidade de outros devires para o social.
Mas, na verdade, não quis escrever para falar do documentário, embora ele valesse um post só para ele. O que me encantou mesmo foram os livros do Tom. De longe o mais articulado, o mais inteligente e o mais lúcido de todo o grupo, Tom Zé dá, em seu depoimento, um show à parte. De conhecimento histórico, sociológico e filosófico, de hábil manejo das palavras, de visão que vai muito à frente do seu próprio tempo histórico. Aos desavisados, pode parecer por vezes que o músico 'viaja', devaneia, mas, se prestarmos atenção, percebemos que tudo na sua fala se amarra, tudo se articula, tudo está embasado.
Eu, encantada com a fala do Tom, comecei a prestar atenção na estante às suas costas. Sempre fui adepta de conhecer uma pessoa pelos seus livros. Olhar a estante de alguém pode ser tão revelador quanto ler o seu diário! (se é que ainda há aqueles que os escrevem...). Ali, nas prateleiras, estão preferências (prosa ou poesia? romances, suspenses, biografias, relatos históricos?), inclinações (literatura nacional ou estrangeira? ficção ou realidade?), obsessões (tudo daquele autor que amamos!). Dá prá saber muita coisa a respeito de alguém se observarmos seus livros com atenção...
Na estante do Tom se misturavam Lewis Carroll com toda a coleção da 'História da vida privada'. Livros de filosofia ao songbook de Cole Porter. Livros com cara de novos e outros - a maioria - com cara de livros 'de verdade': maltratados, puídos, lombadas manuseadas e descoloridas, algumas já se soltando. Como um livro deve ser ao cumprir sua função: lido e manipulado. Livros não são para serem mantidos virgens nas estantes. Um livro feliz é aquele que foi lido em diversas fases da vida por diversas pessoas, participou de múltiplas histórias, ajudou a definir personalidades.
Olhando a estante do Tom, fiquei pensando que não é, absolutamente, por acaso, que ele permanece sendo o mais articulado de todo aquele genial grupo.

13.7.11

Experiências que nos tornam melhores





Gosto muito de um livro do historiador italiano Carlo Ginzburg, que se chama 'Olhos de madeira'. O título é uma alusão aos olhos do boneco Pinocchio, feitos de madeira e, já que desprovidos de humanidade, capazes, por isso mesmo, de ver o que lhes rodeia sem naturalizações que, por vezes, obliteram a percepção e impedem que quem olha se maravilhe-espante-horrorize com o que o cerca.
Se Pinocchio passou toda a sua vida de boneco desejando tornar-se um menino de verdade, eu de minha parte, concordo com Ginzburg: um pouquinho de 'madeira' no olhar não faz mal a ninguém. 'Madeira' aqui, no sentido de manter, em algum nível, a capacidade de estranhamento com o que nos cerca, com coisas, acontecimentos e comportamentos que, na maior parte das vezes, tomamos como dado, como algo natural, e, ao assim fazermos, perdemos boas oportunidades de pensar sobre o que está ao nosso redor com um olhar desvendador, curioso, 'estranho'.
O geógrafo Yi-Fu Tuan diz, a respeito da paisagem, que 'a familiaridade cria a afeição ou o desprezo'. Acredito que o que Tuan afirma referindo-se à paisagem física, derrama-se para outras paisagens: as paisagens afetivas, as paisagens culturais, as paisagens dos nossos sentimentos e desejos. E que o antídoto contra esse efeito pode ser exatamente munir-se de um olhar que tente se desvencilhar um pouco do já vivido, daquilo que já se conhece e se toma como certo. Um olhar de madeira.
Essas reflexões vêm por conta de um espetáculo que assisti há alguns dias e não sai da minha cabeça desde então. Já aprendi isso: quando alguma coisa incomoda a ponto de perdurar na mente, tenho algo a aprender, a dizer ou a refletir, com ela e sobre ela.
No palco, oito bailarinos, exibindo-se durante uma hora e meia, em um espetáculo chamado 'Céu da boca'. Antes de tudo, sentada na penumbra do camarote e olhando de cima o teatro lotado, fiquei pensando o que fez aquela gente toda se vestir, se perfumar, deixar o conforto de sua casa naquele frio, para assistir à outras pessoas fazendo evoluções com seu corpo ao som de uma música. 'Mas isso é dança!', vão dizer alguns. É verdade, é dança. Mas, de verdade, o que é mesmo? O que vamos buscar quando sentamos ali dispostos a permanecer calados e quietos por um longo período de tempo, unidos e separados de todos os outros da platéia? Essas questões malucas teimavam em rodear a minha cabeça, de alguma maneira enriquecendo e contaminando a minha própria percepção do evento.
A partir de algum momento, me dei conta do que havia aberto a porta para que estas questões entrassem. E era exatamente um pequeno fator que contribuíra para tirar o véu de naturalização do meu olhar, me permitindo enxergar aquele que poderia ser um prosaico espetáculo de dança, de outra maneira. Esse fator foi o inesperado. Explico: sempre temos alguma expectativa ao nos dirigirmos a um evento deste tipo. Se vamos ao teatro ou ao cinema, esperamos ser entretidos com uma narrativa. Se vamos ver um show musical, esperamos mergulhar prazerosamente no estilo de música que escolhemos. Claro que tudo isso pode se misturar: um show musical pode ter uma narrativa embutida, assim como um filme pode basear-se muito fortemente na sua sonoridade.
E um espetáculo de dança? Será que este pode nos fazer rir às gargalhadas, pode nos comover, pode nos guiar por reflexões que digam de nossos próprios sentimentos? Essas eram as perguntas que eu me fazia - e ainda me faço, passados alguns dias. Porque o que aconteceu naquele teatro foram, na verdade, duas danças: a que rolava no palco e a que rolava na platéia. A do palco, visível e coreografada. A da platéia, invisível e inesperada: uma dança das emoções. É claro que um dos papéis da arte é emocionar, mas nunca peguei ninguém rindo às gargalhadas face um quadro em um museu (chorando já é mais comum...), muito menos em um espetáculo no qual apenas corpos se movem e nenhuma palavra é pronunciada.

Ao final, aos bailarinos cansados agradecendo os aplausos, correspondia uma platéia que parecia também ter dançado, se não em um palco, no interior de suas mentes, nas quais muita coisa foi remexida.
Me parece que ali se alcançou um dos sentido mais plenos da arte: o de comunhão, palavra que, para muito além de seu sentido religioso, traz a significação primeira de 'experienciar juntos'.
Certamente o que vimos naquele teatro naquele dia específico atingiu esse significado e essa importância: a de uma experiência coletiva. Saí dali com mais perguntas que respostas, mas com a sensação boa de que alguma parte de mim tornou-se melhor depois daquela experiência.



10.7.11

Quanto pode doer uma dor?


A pergunta soa estranha, já que pode-se pensar, a partir dela, que é possível escolher o quanto uma dor irá nos afetar. E me parece que é essa mesmo a questão do filme italiano "Saturno contro", do diretor turco Ferzan Ozpetek. Em cena, um grupo de amigos que se destaca pela diversidade, na qual misturam-se italianos e turcos, pessoas bem sucedidas e desempregados, homo e heterossexuais, casais e pessoas solitárias. Esses personagens caracterizam-se por um convívio no qual vigora um equilíbrio delicado que é subitamente rompido quando um deles sofre um grave acidente vascular cerebral e permanece internado em um hospital.
É a partir desse incidente que aquela harmonia se quebra e as questões de cada um começam a vir à tona: a fragilidade que estava tão bem escondida encontra espaço para se manifestar. E nos fazer enxergar os pontos frágeis do outro é algo que Ozpetek consegue fazer com uma mistura de delicadeza e crueldade. De situações mais óbvias, como a do casal que finalmente encontra a brecha necessária para enfrentar a falência do seu casamento que naufragou nos mares enganosos da rotina e tranquilidade, à outras, que podem até passar despercebidas a um olhar menos atento - por exemplo, a da tradutora turca que questiona tudo e apresenta solução para todos, mas não consegue se relacionar com as suas próprias questões, ou a moça que estuda astrologia e prediz os acontecimentos futuros para os amigos, mas que, na sua vida, só consegue esperar o pior, com seu 'saturno em oposição', e demais configurações astrais que lhe prediriam um futuro desastroso - são várias as situações nas quais é exposta a dor de cada um, aquilo que, lá no fundo, cada um de nós tenta esconder até de si próprio, mas que, em determinados momentos, descobrimos que é impossível.
E é precisamente aí que o filme toca de maneira mais profunda o espectador. Não no grande drama, que é a doença de Lorenzo (interpretado de maneira leve e competente por Luca Argentero) e a dor de seu companheiro, o escritor Davide (Pier Francisco Favino, em uma atuação densa, contida e excelente). Os espinhos que 'Saturno em oposição' crava em nossa sensibilidade são minúsculos e, talvez por isso mesmo, mais cruéis, já que mais difíceis de identificar. São pequenas dores, mínimas incertezas, quase invisíveis inseguranças, que, exatamente por parecerem insignificantes, nos permitem exercer a habilidade de fingir que não estão lá. Quando algo as força a vir à luz, porém, se mostram avassaladoramente destrutivas, insuspeitos pontos frágeis que têm o poder de transtornar - e transformar - as vidas.
O grande mérito do filme é tratar essas questões de maneira leve, nos conduzindo por um caminho cruel com absoluta delicadeza. Assim, a morte de Lorenzo, não é uma surpresa, tampouco algo dramático. O drama fica do lado de fora, como o diretor metaforiza tão bem na cena em que põe todos os amigos no exterior do hospital, assistindo uma desconhecida receber pelo celular alguma notícia que lhe causa uma fortíssima reação. Ao se afastarem dela em respeito àquela dor tão crua, recebem a notícia da morte do amigo.
A grande questão do filme, no entanto, é a que move todos nós: como é possível continuar? Após uma grande perda, face uma gigantesca mudança na vida à qual estávamos acostumados, como é possível seguir em frente? Ou, retomando a pergunta inicial, o quanto uma dor tem o poder de nos paralisar? A resposta, Ozpetek dá na lindíssima cena final de seu filme: o quanto nós mesmos permitirmos. A dor dura o quanto tiver que durar e, ao fim dela, não temos opção a não ser voltar a fazer parte do jogo... mesmo que seja apenas um jogo de ping-pong.


26.5.11

Você tem fome de que?



Conversando com amigas em um desses sábados à noite nos quais parece que tanto faz se você sai ou fica em casa, desde que seja com as companhias certas, surgiu o assunto, velho conhecido de Freud: 'afinal, o que querem as mulheres?', imediatamente traduzido por nós em outra pergunta, mais condizente com a nossa geração e amplamente cantada pelos Titãs no final dos anos oitenta: "você tem fome de que?"
De sapatos à abraços, de arte à atenção, de conhecimento à brigadeiros, passando por noites tranquilas, salários justos, boa companhia e bons vinhos, foram muitas as respostas que surgiram, deixando claro o grau de complexidade, não apenas das mulheres, mas dos quereres de qualquer um. Varia com a idade, com as vivências, com o momento que se atravessa.
Um ponto em comum: desejo é complicado... sempre! Desejar é se colocar no mundo, fazer valer a sua vontade e, acima de tudo, se conhecer. E quanto mais nos conhecemos, mas escapamos dos clichês armados pelo desejo socializado, domesticado, apresentado pela publicidade como legítimo, válido, aceitável, aquele que, quando alcançado, teria o poder de resolver, por si, os problemas de toda e qualquer pessoa. Parafraseando Augusto de Campos ('poesia é risco') e Guimarães Rosa ('viver é perigoso'), arriscaria afirmar: desejar é se colocar em risco. E, certamente, é perigoso. Vida e poesia, portanto.
Como sempre, a arte traduz essa questão de uma forma que vai além das simples palavras, extrapolando a filosofia, a sociologia, a psicanálise e de tudo o que já se pesquisou sobre os mecanismos através do qual o desejo se constitui. A artista plástica norte-americana Jenny Holzer, ciente dos riscos que estão implicados em assumir desejos - sejam estes de que ordem forem -, desenvolveu sua série 'Truisms', nos anos 90. Nela, a artista apropriou-se da linguagem publicitária - na forma de painéis luminosos, out-doors, cartazes, flyers - para nos alertar: "proteja-me do que eu desejo".

16.5.11

Dois pode ser um?


O quadro a nossa frente permanece escuro por um longo tempo. Aos poucos, os acorde iniciais de "You and whose army", do Radiohead, convidam o espectador: 'come on, come on...' Enquanto Thom Yorke canta, a tela clareia aos poucos e vemos uma cena na qual vários meninos têm as cabeças raspadas. A infância está se encerrando prematuramente pelas mãos de guerrilheiros. Enquanto os fios caem no chão, um deles nos olha dolorosamente - e merecia um prêmio de atuação por essa única cena - e vem o primeiro baque, na forma da frase: "A infância é uma faca cravada na garganta".
Não há como se enganar: estamos frente ao início de um grande filme. E o canadense "Incêndios", do diretor Denis Villeneuve, não nos decepciona.
É, do início ao final, do roteiro à trilha sonora, da direção à fotografia, um GRANDE filme, assim mesmo, com maiúsculas. Daqueles que, quando saímos, não conseguimos nem conversar a respeito. A mente foi violentada, a alma foi sacudida, e precisamos de um tempo para entender onde os cacos desta implosão nos atingiram e se cravaram, arrancando sangue e reflexões.
"Incêndios" é um filme que trabalha a vida em vários níveis: é um filme sobre as guerras religiosas que sacodem o Oriente Médio, em um panorama cujo sentido ético e político nos escapa. É uma história sobre um drama familiar e pessoal que separa e une uma mãe e seus filhos. Mostra o amor de dois jovens, interrompido por razões que escapam àquelas do coração. Fala de vidas que se perdem pela insignificância de um gesto errado e daquelas ocasiões nas quais um mínimo olhar pode ser a diferença entre ser subitamente morto ou permanecer vivo. Ao fim de tudo, é um filme sobre a dificuldade e a liberdade de conseguir perdoar. No limite, ele se pergunta a respeito de quantos 'incêndios' uma única vida é capaz de conter e superar. É possível se reerguer depois de ver tudo queimado ao seu redor?
O roteiro escapa à tentação de utilizar uma estratégia bem comum no cinema, que é a de construir um elo entre o filme e o espectador através da entrega de pontos essenciais a quem assiste - construindo aquilo que Arlindo Machado chama de 'olhar privilegiado', ou seja, uma compreensão do filme que apenas nós, que o estamos vendo, possuímos. Este 'privilégio' não existe. Nada nos é revelado de antemão. Vamos descobrindo, ao mesmo tempo em que os personagens, todas as filigranas com as quais Villeneuve constrói a sua trama. Isso permite - obriga, na verdade -, a que nos maravilhemos e horrorizemos junto com os gêmeos Marwan e sua mãe, os protagonistas do filme, à medida em que todo o panorama da película se constitui. E baques da história nos atingem com a mesma força que aos personagens, assim como nos transtornam as questões que o filme lança em nossa direção, talvez a parte que mais permaneça conosco ao sairmos da sala de cinema: afinal, qual o sentido de tudo isso? Para que servem, onde começam e acabam, o amor, o ódio, o perdão, os laços que unem e separam as pessoas? Quais são as fronteiras entre esses sentimentos tão viscerais e qual o preço estamos dispostos a pagar por eles? Ou, como se pergunta um dos gêmeos ao final, 'dois pode ser um'?

11.5.11

Retomando...









...um dos prazeres que me animou a iniciar esse blog: fotografar. Aqui, três opostos: montanha, praia e cidade.
Tão próximos, tão diferentes.

24.4.11

Um filme que dói


Saí de 'L'illusionniste' extremamente desconfortável. O que nem sempre é um mau sinal. Já escrevi o suficiente sobre arte e cinema nos posts anteriores para deixar claro que, para mim, este é um dos papéis fundamentais de qualquer manifestação humana que pretenda se intitular 'arte': te jogar fora da tua zona de conforto. No conforto ninguém se mexe, a sensação é algo como: 'prá que eu vou sair daqui se está tudo tão bom?'
Daí que, por vezes, estas 'sacudidas' proporcionadas por um livro, filme, ou uma pintura, instalação, grafite, são bem vindas para nos darem a oportunidade de tirar a poeira de posições já estabelecidas, opiniões formadas, coisas que já tomamos como certas.
Mas o meu incômodo com o filme do Chomet era de outra ordem. Plasticamente o filme é belíssimo, mais bonito, na minha opinião, que o anterior do diretor, 'Les triplettes de Belleville' - cujo título, aqui no Brasil, foi estranhamente traduzido como 'as bicicletas de Belleville' (triplettes refere-se ao trio de velhinhas do filme, nada a ver com as bicicletas).
Então, esteticamente ele é interessante, o roteiro toma por base algo escrito por Jacques Tati - em outras palavras, não há possibilidade de ser ruim - e a trilha sonora é linda, composta e executada em boa parte por Malcolm Ross, onde estava o meu incômodo?
Saí do filme com todas as questões que ele levanta girando na mente: um panorama no qual a arte está em decadência, submetida às leis do 'mercado' que dita o que o público irá consumir; um mundo que aponta para um desencanto absoluto, resumido pela frase única que o mágico deixa em seu bilhete de despedida ('les magiciens n'existent pas'); a ascensão do consumo como moldura que irá enquadrar todos os comportamentos sociais; e, claro, a questão maior que sempre guiou a obra de Tati: o deslocamento do sujeito no mundo. Seu Hulot é o maior exemplo disso, e Chomet pega bem o espírito do personagem mais famoso de Tati, somado à hábil transposição do físico desengonçado do diretor para o desenho da animação, e constrói Tatischeff, o ilusionista que dá título ao filme (apenas como curiosidade, Tatischeff era o nome original de família de Jacques Tati).
Conversei com pessoas que também assistiram à animação, na tentativa de localizar o que me deixava tão desconfortável com ela, e cheguei à algumas pistas: a figura de Alice, a menina que passa a acompanhar o mágico em suas andanças, a estranha passagem que - através dela - o diretor parece apontar rumo a um mundo 'adulto' no qual o encantamento não possui mais um lugar, a crueldade com que são tratados os representantes daquele velho mundo de magia e ilusão... enfim, muitas questões que se embaralham e dão, ao sairmos do cinema, a impressão que o filme continua a acontecer em nossas mentes.
Mas a melhor definição que consegui foi através da frase sucinta de um amigo, que, ao se referir ao filme, me disse: "Esse filme dói".
Cheguei à conclusão que ele tem razão. Não foi exatamente incômodo o que eu senti com a animação de Chomet. Foi dor.


17.4.11

Ai(nda) Weiwei: sunflower seeds

Ai Weiwei - Sunflower seeds, 2010

















Não resisti ao trocadilho (hor-ro-ro-so, eu concordo) com o nome do artista Ai Weiwei, sobre o qual escrevi no post anterior.
Quis voltar à Weiwei para comentar sobre a instalação que ocupa atualmente o subsolo da Tate Modern, em Londres, chamada 'Sunflower seeds'. Em toda a extensão da área, o artista espalhou um enorme tapete de pequenas peças em porcelana que imitam sementes de girassol. Novamente, como em tantas situações da produção artística contemporânea, a obra se faz na interação - e, certamente, com o esforço de compreensão - do espectador. Se entrarmos no ambiente e olharmos rapidamente aquela vasta extensão coberta de pequenas sementes, corremos o risco de nem mesmo percebermos que elas não são naturais.
E a história do enorme esforço realizado para a sua execução é interessantíssima! Weiwei mobilizou muitos moradores de Jingdezhen, uma província chinesa conhecida pela produção de porcelana, para 'fabricarem' as sementes. Foram 1.600 pessoas confeccionando artesanalmente, uma a uma, as pequenas contas malhadas em preto e branco. O processo está descrito no vídeo abaixo, que também é disponibilizado no site da Tate (Tate Modern| Current Exhibitions | The Unilever Series: Ai Weiwei ) e no local da exposição.
É claro que depois de assisti-lo, o contato com a obra se enriquece. Podemos pensar nessa banalização do consumo na sociedade atual, que faz com que as mercadorias simplesmente 'apareçam', como se tivessem apenas 'nascido' - e não tivessem passado por um processo complexo de fabricação, atrás do qual estão milhares de pessoas. Podemos pensar em um mundo onde tudo está cada vez mais homogeneizado, tornando difícil que reconheçamos as diferenças e sejamos vistos como aquele monte de sementes aparentemente iguais. Podemos mesmo pensar no paradoxo vivido pela China, um país que se tornou um fortíssimo produtor das mercadorias que o mundo inteiro consome, mas que sofre uma tensão que o coloca entre ser uma das principais molas da produção capitalista contemporânea e, ao mesmo tempo, um país com uma cultura milenar.
Vi a instalação de Weiwei em novembro passado, em Londres. A sua dimensão é impressionante, a quantidade de sementes espalhada é enorme, e o vídeo colabora imensamente para que a obra nos toque e nos diga algo. Mas, como toda produção artística de qualidade, para além de tudo isso, é a emoção que nasce no espaço obra-espectador que dá a sua real dimensão. A instalação de Weiwei certamente nos faz pensar. Mas, mais que isso, nos emociona.


16.4.11

Les adultes terribles












Template, 2007
(exposto na Documenta XII, Kassel. Uma composição com portas e janelas de templos destruídos na China)



Forever bicycles, 2003
(exposta na Bienal de arte de São Paulo em 2010. 42 bicicletas da marca mais vendida no país)














Coca-cola, 1994 (Vaso da dinastia Ham com logotipo da Cola-cola)

Snake Ceiling, 2009
(Instalação de teto realizada com 360 mochilas)




"Arte? Ah, a arte preenche nosso tempo, nos relaxa, nos diverte..." Quantas vezes já ouvimos declarações semelhantes à essa? Acho muito curioso escutá-las, e ver que muitas pessoas ainda se referem à arte como se fosse essa espécie de 'parque de diversões' para adultos.
E aí acontece um episódio como esse que vem se desenrolando nas duas últimas semanas, envolvendo o artista plástico chinês Ai Weiwei.
Weiwei é um dos artistas contemporâneos chineses mais conceituados atualmente. Sua obra, permeada por um forte caráter político, sempre incomodou ao governo chinês, e ele foi mantido, nestes últimos anos, sob uma cerrada vigilância. O artista é um excelente exemplo de uma arte contemporânea que procura, cada vez mais, uma forte interlocução com seu espectador. Podemos mesmo dizer que seu trabalho, muito mais que aquilo que é concretamente exposto nas galerias ou museus, acontece na percepção de quem entra em contato com ele, em uma interseção entre arte, estética, filosofia, política.
Weiwei já trabalhou com diversos temas. Uma de suas últimas obras foi realizar um esforço para reunir os nomes de todos os estudantes chineses mortos no terremoto de 2008. Pode parecer banal, mas a questão central é que estes alunos estavam dentro de escolas que desabaram e que, possivelmente, tenham sido construídas pelo governo chinês com a utilização de materiais mais baratos e inadequados.
E no domingo, dia 3 de abril, Weiwei foi preso, no aeroporto de Pequim. Mantido até hoje incomunicável, é acusado de ações subversivas contra o governo chinês.
Um grupo de artistas está organizando um protesto mundial contra a prisão, chamado "1001 chairs for Ai Weiwei", que consiste em, neste domingo, 17, sair de casa com uma cadeira e sentar-se à frente de um edifício governamental chinês, seja em que país for.
Há algum tempo atrás, utilizava-se a expressão 'enfants terribles' para se referir a esse tipo de artista questionador das regras já estabelecidas. O significado (algo como 'crianças levadas'), sempre teve um viés meio pejorativo, na minha opinião. Era como se esses homens, que estavam pensando e questionando muito seriamente coisas longamente colocadas como 'dadas' - ou seja, coisas postas como algo inquestionável - , estivessem seguindo apenas um certo impulso infantil de 'bagunçar' a ordem tão tranquilizadora do mundo.
O abuso e a arbitrariedade do governo chinês são, obviamente, inaceitáveis. Mas não consigo deixar de pensar que, ao menos, eles reconhecem com clareza o poder da arte. As crianças cresceram. E ameaçam governos. Foram promovidas à 'les adultes terribles'...