10.7.11

Quanto pode doer uma dor?


A pergunta soa estranha, já que pode-se pensar, a partir dela, que é possível escolher o quanto uma dor irá nos afetar. E me parece que é essa mesmo a questão do filme italiano "Saturno contro", do diretor turco Ferzan Ozpetek. Em cena, um grupo de amigos que se destaca pela diversidade, na qual misturam-se italianos e turcos, pessoas bem sucedidas e desempregados, homo e heterossexuais, casais e pessoas solitárias. Esses personagens caracterizam-se por um convívio no qual vigora um equilíbrio delicado que é subitamente rompido quando um deles sofre um grave acidente vascular cerebral e permanece internado em um hospital.
É a partir desse incidente que aquela harmonia se quebra e as questões de cada um começam a vir à tona: a fragilidade que estava tão bem escondida encontra espaço para se manifestar. E nos fazer enxergar os pontos frágeis do outro é algo que Ozpetek consegue fazer com uma mistura de delicadeza e crueldade. De situações mais óbvias, como a do casal que finalmente encontra a brecha necessária para enfrentar a falência do seu casamento que naufragou nos mares enganosos da rotina e tranquilidade, à outras, que podem até passar despercebidas a um olhar menos atento - por exemplo, a da tradutora turca que questiona tudo e apresenta solução para todos, mas não consegue se relacionar com as suas próprias questões, ou a moça que estuda astrologia e prediz os acontecimentos futuros para os amigos, mas que, na sua vida, só consegue esperar o pior, com seu 'saturno em oposição', e demais configurações astrais que lhe prediriam um futuro desastroso - são várias as situações nas quais é exposta a dor de cada um, aquilo que, lá no fundo, cada um de nós tenta esconder até de si próprio, mas que, em determinados momentos, descobrimos que é impossível.
E é precisamente aí que o filme toca de maneira mais profunda o espectador. Não no grande drama, que é a doença de Lorenzo (interpretado de maneira leve e competente por Luca Argentero) e a dor de seu companheiro, o escritor Davide (Pier Francisco Favino, em uma atuação densa, contida e excelente). Os espinhos que 'Saturno em oposição' crava em nossa sensibilidade são minúsculos e, talvez por isso mesmo, mais cruéis, já que mais difíceis de identificar. São pequenas dores, mínimas incertezas, quase invisíveis inseguranças, que, exatamente por parecerem insignificantes, nos permitem exercer a habilidade de fingir que não estão lá. Quando algo as força a vir à luz, porém, se mostram avassaladoramente destrutivas, insuspeitos pontos frágeis que têm o poder de transtornar - e transformar - as vidas.
O grande mérito do filme é tratar essas questões de maneira leve, nos conduzindo por um caminho cruel com absoluta delicadeza. Assim, a morte de Lorenzo, não é uma surpresa, tampouco algo dramático. O drama fica do lado de fora, como o diretor metaforiza tão bem na cena em que põe todos os amigos no exterior do hospital, assistindo uma desconhecida receber pelo celular alguma notícia que lhe causa uma fortíssima reação. Ao se afastarem dela em respeito àquela dor tão crua, recebem a notícia da morte do amigo.
A grande questão do filme, no entanto, é a que move todos nós: como é possível continuar? Após uma grande perda, face uma gigantesca mudança na vida à qual estávamos acostumados, como é possível seguir em frente? Ou, retomando a pergunta inicial, o quanto uma dor tem o poder de nos paralisar? A resposta, Ozpetek dá na lindíssima cena final de seu filme: o quanto nós mesmos permitirmos. A dor dura o quanto tiver que durar e, ao fim dela, não temos opção a não ser voltar a fazer parte do jogo... mesmo que seja apenas um jogo de ping-pong.


Um comentário:

  1. Belíssmo texto. Consegue traduzir os sentimentos que não consigo identificar durante o filme. Um incomodo, alguma coisa que espeta, quase imperceptivel a um mortal.

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