24.3.13

Das grandezas e pequenezas da vida

Platéia e palco escuros. Uma luz forte se acende em uma das laterais, revelando o perfil de um homem. Meio maltrapilho, maquiagem de palhaço, postura ereta, ele começa o seu monólogo e conta a sua história. A angústia de um palhaço sem circo, a narrativa de uma vida que não encontra mais seu lugar e seu tempo no mundo. E finaliza a sua fala com palavras que dizem mais ou menos assim: 'Como um palhaço, eu vivo do erro. Estou acostumado a fazer as pessoas rirem com as minhas falhas: a tropeçar, a cair, a sentar em cadeiras que já foram tiradas de trás de mim. Não sei trabalhar com os acertos, o erro é a minha vida. Mas esse mundo de hoje não admite mais o erro, só quer saber de acertos. Não tenho mais lugar nele.'

A cena é do espetáculo "O grande circo ínfimo", do Grupo Z de Teatro. O roteiro reúne personagens que, por um motivo ou outro, não 'cabem' mais no mundo contemporâneo. O antigo dono do circo virou cafetão, e agencia a ex-bailarina, que virou puta. Em meio a isso, o palhaço, que se recusa a mudar -  porque, afinal, como ele afirma exaustivamente: "eu sou um palhaço... de circo!" - não encontra um espaço que o acolha. Cruéis metáforas para várias das transições que vemos acontecer com pessoas, coisas ou sentimentos considerados 'supérfluos', 'ultrapassados', e 'sem utilidade' nos nossos tempos. 

Vamos nos adaptando, e tentando nos acostumar com uma realidade que vai se tornando cada vez mais objetiva, cada vez mais funcional. Cada vez mais pobre. Tudo precisa ter uma utilidade e, se não tem, não possui mais lugar. Nem tempo. E vamos abrindo mão das pequenezas que davam tempero à vida, coisas que não cabem mais nesse tempo que, como apregoa o ditado capitalista, "é dinheiro". Nessa adaptação, a arte vira negócio, a beleza se traduz pelo consumo, o prazer deixa para trás as suas formas delicadas e tem que ser aquele palpável: o prazer do corpo. 

Nesse percurso, os sentimentos vão se empobrecendo, se esgarçando e se perdendo. E nós, vamos vivendo, e nos consolando ao 'nos contarmos' que o que ficou para trás são coisas pequenas, detalhes que "não fazem diferença". Mas, se o arquiteto alemão Mies Van der Rohe tinha razão ao afirmar que "o sublime está nos detalhes", podemos ter, a partir dessa frase, uma noção do que perdemos. Perdemos o sublime da vida.

Mas aí, alguém, um dia, nos detém e nos pergunta: 'mas então, o que faz diferença para você?'. E, se prestarmos atenção na pergunta, e se realmente pararmos para tentar respondê-la para nós mesmos, veremos que não é uma tarefas das mais simples. 

Foi essa a pergunta que traduziu, para mim, todo o belíssimo espetáculo do Grupo Z. É ela a 'grande pergunta ínfima' que, ao deixarmos a sala escura,  permanece, reverberando nas nossas mentes e, quem sabe, nas nossas vidas.