25.3.12

Ah, esses sonhadores...


Não foram poucas as pessoas que, sabendo o quanto eu gosto de cinema, vieram me perguntar se eu assisti a 'Hugo' (A invenção de Hugo Cabret), de Martin Scorcese. Sim, eu assisti. Eu gostei? Bom, essa resposta já é um pouco mais complicada...
O filme é quase uma fábula e, nesse sentido, não cabem grandes críticas: é bonito, cheio de citações à fotos famosas e cenas de filmes conhecidas, além de mostrar vários ângulos de Paris, o que é sempre um bom argumento para tornar as cenas na tela mais belas.
Para além disso, é uma história bonitinha, mas infantil: repleta de clichês, com alguns equívocos históricos e outros conceituais (o filme coloca em cena, por exemplo, a lenda de que as pessoas fugiram, assustadas, durante a primeira projeção de 'L'arrivée d'un train en gare de la Ciotat', dos irmãos Lumière).
Mas, tudo bem, é cinema, o que equivale a dizer que é sonho e ilusão, se eu quiser vida real eu vou assistir a um telejornal... a tela grande é outra coisa.
Não achei o roteiro nem a direção da película grande coisa. São corretos, mas nada além disso. As atuações são boas, sobretudo a de Ben Kingsley, como um homem cuja trajetória o levou a tornar-se amargo e triste.
Porém, o que, para mim, torna 'Hugo' um filme marcante, não é nada disso. O que me comoveu no filme foi ver, finalmente, a importância de Méliès para a história do cinema reconhecida de maneira inegável!
Georges Méliès, o visionário, o sonhador, aquele que nos levou, com suas filmagens, onde sequer podíamos sonhar, enfim, está decentemente homenageado pelo meio que ele próprio ajudou a criar. É sempre importante lembrar: o cinema nasce como TÉCNICA, não como meio de representação, nem como forma de contar histórias. A imaginação de alguns dos primeiros homens a se interessarem pelas projeções - dentre eles, Méliès - é que vai fazer com que o cinema tome a forma que tomou mais tarde. É isso que, para mim, torna esse sujeito especialíssimo!
E agora, ver o filme, e, pouco tempo depois, estar em Paris, inevitavelmente, me fez lembrar da primeira vez em que tive um contato mais, digamos assim,... 'direto', com o cineasta. Era inverno de 2007, eu havia acabado de passar na seleção do doutorado e estava pela primeira vez na cidade. Era domingo e eu havia ido visitar o cemitério Père Lachaise. Lá, em meio aos túmulos dos muitos pintores e filósofos franceses que eu queria ver, estava ele: Méliés. É um túmulo simples, sem nada da ostentação dos outros que enchem o cemitério mais conhecido da cidade. Mas, ainda assim, comovente! Tão comovente que, imbuída da emoção daquele momento, incorporei o meu sentimento na tese. Abri a segunda parte dela, na qual falo do cinema mais diretamente, com o texto que reproduzo mais abaixo.
E hoje, voltei lá. Já se tornou um hábito, todas as vezes em que retornei à cidade depois daquela primeira, vou lá ver o seu túmulo. Hoje, então, voltei para 'dizer' que deu tudo certo, que consegui atravessar esse processo tão complicado, finalizar a escrita e fazer a defesa, e, de alguma maneira, expressar uma espécie meio estranha de 'gratidão' por esse homem tão extraordinário que fez coisas tão magníficas... (ok, talvez seja a hora de chamar aqueles sujeitos de branco, a louca acha que, de alguma forma, 'conversa' com o túmulo de um francês que morreu no início do século passado...)
E finalizo então esse post, com as palavras que encontrei escritas no seu túmulo, da primeira vez em que lá estive: 'Merci, Master!', por nos fazer embarcar junto contigo em seus sonhos!

Aqui abaixo, o texto que escrevi para abrir a segunda parte da tese:

Paris, Père Lachaise, janeiro de 2007. Ainda antes de entrar nesse complicado carrossel que convencionamos chamar de ‘doutorado’, vago sem rumo por entre as aléias do cemitério que provavelmente concentra o maior número de mortos célebres por metro quadrado do mundo. Ali estão sepultados pintores, escultores, músicos, filósofos, poetas. Em meio às lápides sofisticadamente elaboradas e aos nomes mundialmente conhecidos, um túmulo simples chama a minha atenção: apenas um austero bloco de granito no qual está gravado o nome de quem está sepultado ali, encimado por um busto masculino. Ao chegar mais perto, vejo que algum outro visitante fez nele um desenho de uma pequena lua com uma curta inscrição: “and our dreams became true... Merci, master!”. Poucos epitáfios teriam sido mais felizes em expressar, resumido através de tão poucas palavras, o significado daquele homem: Georges Méliès. O visionário, o sonhador, o ‘maluco’, o homem que conheceu a riqueza, mas morreu na miséria, vendendo jornais na periferia de Paris para sobreviver, depois de haver queimado seu patrimônio na tentativa de concretização de seus sonhos. Certamente, mais um dos muitos homens cujos rumos foram fortemente movidos por seus desejos. Nas telas, Méliès promoveu, dentre outras coisas, uma fantasiosa viagem à lua. No mundo real, sua viagem conduziu, a todos nós, precisamente ao lugar apontado pela inscrição em sua lápide: aos nossos sonhos. Que, mesmo nos mantendo firmemente ancorados à terra, nos possibilitaram evasões múltiplas. Inclusive ao mundo da lua. Merci, master!



24.3.12

Avec... soleil!

Se você perguntar a um parisiense, nesta época do ano, o que ele mais deseja, desconfio que a resposta vá se repetir em muitas situações: o sol! Eles já atravessaram todo um outono que, embora lindo, é frio; um inverno super rigoroso - este ano nevou até em fevereiro -; e, claro, agora com a primavera que chega, o que eles mais querem é tempo bom.
É impressionante como o humor da cidade muda quando 'il fait beau', ou seja, quando o clima está bom e o sol brilha. Os cafés enchem de gente imbuída daquele tal 'espírito de girassol' que eu mencionei no post anterior, todo mundo viradinho na direção do calor, e as margens do Sena enchem de gente fazendo pic-nics ou simplesmente aproveitando ele: o sol.
De repente as botas dão lugar às sapatilhas, os braços ficam à mostra e as pernas começam a aparecer através das meias que já não são tão grossas quanto as do inverno. Esta semana foi exatamente a desta 'virada'. A sensação é que na segunda feira ainda era inverno, e hoje, na sexta, já foi quase verão...
Il faut profiter, afinal, nunca se sabe se ele veio mesmo para ficar...





21.3.12

il faut bien s'adapter!


Há muito tempo atrás, li em algum lugar um texto sobre a facilidade de adaptação do homem às mudanças, por mais radicais que estas possam ser. Lembro que o texto dava um exemplo: se você está andando à beira de um lago ou piscina e cai na água repentinamente, em pouquíssimos segundos já adapta o seu corpo aquele novo meio. Os movimentos mudam e você consegue sair daquela situação sem problemas. Molhado, mas vivo. É claro que se você já tiver tido antes a experiência de movimentar-se na água, será mais fácil e rápida a adaptação e você correrá menos riscos.
Tenho lembrado deste texto nestes meus primeiros dias aqui em Paris. Por um lado, tudo é diferente: o clima, o idioma, a cultura, a morfologia da cidade, as maneiras corretas de nos comportarmos em cada situação. Mas, por outro, já tendo tido a experiência de morar aqui antes, é impressionante a rapidez com que alguns hábitos retornam e é possível começar a construir uma rotina nesta cidade ao mesmo tempo tão distante e tão familiar.
São muitos os pontos de contato - físicos ou não - que permitem que seja desenvolvida uma ponte entre o meu real no Brasil e este retorno às terras francesas. Reconhecer com facilidade algumas coisas, torna mais fácil esta adaptação. Da familiaridade com a rede intrincada do metrô que transforma o subsolo da cidade em um queijo suiço e se espraia por toda a sua extensão através de estações novas e outras com mais de cem anos (adoro passar pelas estações que serviram de abrigo contra os bombardeios da Segunda Guerra e ficar imaginando as cenas desenroladas ali...) nas quais sempre escutamos o indefectível 'attention a la marche en descendent du train', ao reconhecimentos de alguns comportamentos e hábitos tipicamente parisienses, como a irritação melancólica que acomete a todos da cidade quando faz frio, e o 'espírito de girassol' que se apossa de todo mundo no final da tarde, responsável por cafés lotados e cadeiras viradas em direção ao calor do sol poente, são muitos os momentos nos quais olho a cidade e penso: 'ah, isso eu sei o que é!...' E daí me sinto um pouco menos 'estrangeira'.
Enfim, depois destes poucos dias já consigo, um pouquinho, me sentir 'em casa'. E essa é uma sensação reconfortante para alguém que está absolutamente sozinha em um outro país. Os únicos que ainda estranham muito são os meus dedinhos mindinhos que, todo dia quando chego em casa e os liberto das botas e dos saltos, me olham com aquela carinha triste que só os dedinhos mindinhos sabem fazer, como se me dissessem: 'Nós não acreditamos que você vai fazer a gente passar por tudo aquilo de novo... Olha só, já estamos machucados.... Má! Eliana má!'

20.3.12

Assim você me mata...


...ai, se eu te pego, ai, ai, se eu te pego....

Andei até a metade da loja até me dar conta. Parei. Olhei em volta, meio achando que estava enganada. Vontade de ouvir português, será? Saudades do Brasil, já? E justo com ESSA música? Não era. Entendi que o que tocava no sistema de som da loja de celulares era mesmo o bom e velho 'ai se eu te pego'. Em português. Entendi e... caí no riso, claro! O francês simpático que vinha andando na minha direção já armando no rosto o seu melhor sorriso profissional de 'qu'est-ce que vous voulez, mademoiselle?' parou e... caiu no riso também. Não deve ser todo dia que entra uma cliente na loja e assim, do nada, tem um ataque risonho. O francesinho achou mais seguro entrar na onda...
Desisti de explicar pro moço o motivo do meu riso, e me concentrei no que tinha ido fazer ali: comprar uma 'puce' - um chip - pro meu celular funcionar em Paris durante o tempo que estou aqui. O rapaz me atendeu super direitinho, foi simpático e até fez uma piadinha, coisa rara por aqui. Mas ficou o tempo inteiro com aquela expressão de quem espera que algo inusitado aconteça a qualquer momento...
Pois é, Paris me recebeu ao som de Michel Teló. E eu ainda não cheguei a uma conclusão do que isso quer dizer...


9.3.12

O saber paralisante


Daí a gente, depois de quase cinco anos, termina a tese. Daí a gente acha que sabe tratar de tudo - ou quase tudo - que diga respeito aquele tema. Daí a gente recebe um telefonema do curador de um evento bem legal, que reúne um monte de nomes bacanas em torno de um mesmo tema. Daí vem o convite: 'teu nome foi indicado para compor uma das mesas, você topa?'. E é claro que você topa! O espaço é lindo, o evento é legal, os participante são geniais. E aí você pensa: puxa, é exatamente o tema que me apaixona, tenho um monte de coisa legal prá falar a respeito, dou conta fácil! E daí... daí.... dá um branco!
É verdade, tenho mesmo um monte de coisa legal prá falar (legal para mim, ao menos...), é verdade, passei um tempão pesquisando o tema: desejos e cidades. E é verdade, mesmo com a tese terminada, não entrei naquela 'trip' tão comum de 'nunca mais quero ver esse tema na frente', ou seja, me empolga muito falar do que estudei tanto tempo. Mas, quando paro para decidir o que exatamente vou escolher falar sobre esse tema tão vasto em apenas uma hora... Ah, não é fácil! Estou há dias me embatendo com esse impasse. Daí hoje, vi uma amiga postar essa tirinha do Calvin no facebook. E entendi o quanto isso é comum. Não acontece só comigo o tal do 'saber paralisante'!
De qualquer forma, ter visto a tal tirinha teve o poder de me fazer decidir a maneira de recortar o tema tão amplo e selecionar um eixo. E daí, na semana que vem estarei lá, no Museu da Vale do Rio Doce, falando a respeito de "De quantos desejos se faz uma cidade? A arte cotidiana de construir sociabilidades". Mais uma vez, unindo as minhas duas paixões, cidade e cinema, tentando entender melhor como funciona essa grande colméia humana na qual vivemos...
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Aqui, os textos dos palestrantes disponibilizados para download.