26.5.11

Você tem fome de que?



Conversando com amigas em um desses sábados à noite nos quais parece que tanto faz se você sai ou fica em casa, desde que seja com as companhias certas, surgiu o assunto, velho conhecido de Freud: 'afinal, o que querem as mulheres?', imediatamente traduzido por nós em outra pergunta, mais condizente com a nossa geração e amplamente cantada pelos Titãs no final dos anos oitenta: "você tem fome de que?"
De sapatos à abraços, de arte à atenção, de conhecimento à brigadeiros, passando por noites tranquilas, salários justos, boa companhia e bons vinhos, foram muitas as respostas que surgiram, deixando claro o grau de complexidade, não apenas das mulheres, mas dos quereres de qualquer um. Varia com a idade, com as vivências, com o momento que se atravessa.
Um ponto em comum: desejo é complicado... sempre! Desejar é se colocar no mundo, fazer valer a sua vontade e, acima de tudo, se conhecer. E quanto mais nos conhecemos, mas escapamos dos clichês armados pelo desejo socializado, domesticado, apresentado pela publicidade como legítimo, válido, aceitável, aquele que, quando alcançado, teria o poder de resolver, por si, os problemas de toda e qualquer pessoa. Parafraseando Augusto de Campos ('poesia é risco') e Guimarães Rosa ('viver é perigoso'), arriscaria afirmar: desejar é se colocar em risco. E, certamente, é perigoso. Vida e poesia, portanto.
Como sempre, a arte traduz essa questão de uma forma que vai além das simples palavras, extrapolando a filosofia, a sociologia, a psicanálise e de tudo o que já se pesquisou sobre os mecanismos através do qual o desejo se constitui. A artista plástica norte-americana Jenny Holzer, ciente dos riscos que estão implicados em assumir desejos - sejam estes de que ordem forem -, desenvolveu sua série 'Truisms', nos anos 90. Nela, a artista apropriou-se da linguagem publicitária - na forma de painéis luminosos, out-doors, cartazes, flyers - para nos alertar: "proteja-me do que eu desejo".

16.5.11

Dois pode ser um?


O quadro a nossa frente permanece escuro por um longo tempo. Aos poucos, os acorde iniciais de "You and whose army", do Radiohead, convidam o espectador: 'come on, come on...' Enquanto Thom Yorke canta, a tela clareia aos poucos e vemos uma cena na qual vários meninos têm as cabeças raspadas. A infância está se encerrando prematuramente pelas mãos de guerrilheiros. Enquanto os fios caem no chão, um deles nos olha dolorosamente - e merecia um prêmio de atuação por essa única cena - e vem o primeiro baque, na forma da frase: "A infância é uma faca cravada na garganta".
Não há como se enganar: estamos frente ao início de um grande filme. E o canadense "Incêndios", do diretor Denis Villeneuve, não nos decepciona.
É, do início ao final, do roteiro à trilha sonora, da direção à fotografia, um GRANDE filme, assim mesmo, com maiúsculas. Daqueles que, quando saímos, não conseguimos nem conversar a respeito. A mente foi violentada, a alma foi sacudida, e precisamos de um tempo para entender onde os cacos desta implosão nos atingiram e se cravaram, arrancando sangue e reflexões.
"Incêndios" é um filme que trabalha a vida em vários níveis: é um filme sobre as guerras religiosas que sacodem o Oriente Médio, em um panorama cujo sentido ético e político nos escapa. É uma história sobre um drama familiar e pessoal que separa e une uma mãe e seus filhos. Mostra o amor de dois jovens, interrompido por razões que escapam àquelas do coração. Fala de vidas que se perdem pela insignificância de um gesto errado e daquelas ocasiões nas quais um mínimo olhar pode ser a diferença entre ser subitamente morto ou permanecer vivo. Ao fim de tudo, é um filme sobre a dificuldade e a liberdade de conseguir perdoar. No limite, ele se pergunta a respeito de quantos 'incêndios' uma única vida é capaz de conter e superar. É possível se reerguer depois de ver tudo queimado ao seu redor?
O roteiro escapa à tentação de utilizar uma estratégia bem comum no cinema, que é a de construir um elo entre o filme e o espectador através da entrega de pontos essenciais a quem assiste - construindo aquilo que Arlindo Machado chama de 'olhar privilegiado', ou seja, uma compreensão do filme que apenas nós, que o estamos vendo, possuímos. Este 'privilégio' não existe. Nada nos é revelado de antemão. Vamos descobrindo, ao mesmo tempo em que os personagens, todas as filigranas com as quais Villeneuve constrói a sua trama. Isso permite - obriga, na verdade -, a que nos maravilhemos e horrorizemos junto com os gêmeos Marwan e sua mãe, os protagonistas do filme, à medida em que todo o panorama da película se constitui. E baques da história nos atingem com a mesma força que aos personagens, assim como nos transtornam as questões que o filme lança em nossa direção, talvez a parte que mais permaneça conosco ao sairmos da sala de cinema: afinal, qual o sentido de tudo isso? Para que servem, onde começam e acabam, o amor, o ódio, o perdão, os laços que unem e separam as pessoas? Quais são as fronteiras entre esses sentimentos tão viscerais e qual o preço estamos dispostos a pagar por eles? Ou, como se pergunta um dos gêmeos ao final, 'dois pode ser um'?

11.5.11

Retomando...









...um dos prazeres que me animou a iniciar esse blog: fotografar. Aqui, três opostos: montanha, praia e cidade.
Tão próximos, tão diferentes.