29.3.11

Família, família...


... "cachorro, gato, galinha. Família, família"... Já cantavam os Titãs em meio aos tumultuados anos oitenta. E família é sempre uma questão complicada! Quem está bem resolvido com a sua (mas com ela in-tei-ra!) que ouse discordar...
Famílias são difíceis: na maioria das vezes têm competição, intimidade invasiva, sentimentos conflitantes, rixas antigas, amor sufocante e controlador, gente demais e noção de menos.
Se para nós, pobres mortais, lidar com a família às vezes é complicado, podemos imaginar como deve ser para um grupo tão cheio de estrelas e criatividade quanto os Coppola. E o membro mais famoso dela literalmente joga as questões que o incomodam no ventilador. Família foi o mote de vários filmes de Francis Ford Coppola (não preciso nem mencionar a trilogia 'The godfather') - e sua última obra não foge à regra: 'Tetro' é sobre a família e seus pequenos dramas que, como mostra o diretor, podem se tornar grandiosos. O roteiro foi escrito também por ele, e as referências à antiga rixa entre seu pai, o músico e compositor Carmine Coppola e seu tio, o maestro Anton Coppola, são inegáveis e explícitas.
Coppola trabalha, em Tetro, afastado dos grandes estúdios, realizando e produzindo seu filme de maneira independente. Ele vai para Buenos Aires. E, em uma das cidades mais coloridas do mundo, realiza um filme em preto e branco. Filma o presente com cara de passado - em um p&b cheio de contrastes duros tomados em várias cenas que se passam à noite - e o passado com jeito de presente, colorido, como que a indicar a sua constante interferência no tempo atual, no qual os antigos dramas ganham outras nuances ao serem relembrados e revividos.
As interpretações ajudam: Vincent Gallo como o escritor atormentado constrói um personagem incômodo e irritante, e Alden Ehrenreich, com uma constante expressão de atordoamento de quem acabou de cair de uma caminhão de mudanças, faz o contraponto à densidade do personagem de Gallo, o Tetro que dá título à película.
A mensagem do roteiro é quase pedagogicamente explícita: nada importa tanto quanto os laços que unem as pessoas. Não há arte, nem fama, dinheiro ou sucesso que substituam esse irritante e adorável grupo que acostumamos a chamar de 'família'.

Um treino para o diálogo com a humanidade


O artista Hélio Leite trabalha criando miniaturas. Usa botões, caixas de fósforo, pequenas figuras humanas. Faz um trabalho criativo e inteligente. Mas, para além disso, também cria miniaturas criativas e inteligentes com as palavras.
Mas o que são 'miniaturas de palavras'?, você vai me perguntar. É simples, é fazer com que a palavra se detenha do detalhe, na minúcia, naquilo que normalmente passa despercebido em meio à grandiosidade dos discursos, das vozes cada vez mais alteradas da pós-modernidade, da espetacularização que parece tomar conta da vida.
Este vídeo é parte de um projeto chamado "O que é tristeza prá você?", cujo realizador faz entrevistas com diversos artistas. O de Hélio é um primor. Sua voz tranquila e seu trabalho, que apesar de miniaturizado, é eloqüente, completam as suas palavras, que tratam, dentre outros assuntos, do prazer de fazer o que faz, que ele, modestamente, define como 'artesanato'. Ou, de forma poética, 'um treino para o diálogo com a humanidade'.
Hélio é um defensor de que trabalho e prazer não são coisas inconciliáveis, e afirma: "quando a gente vai procurar o que fazer dentro da gente, a gente sempre acaba fazendo o que gosta. E fazer o que não gosta é o pior desemprego do mundo".
Concordo plenamente.



19.3.11

Deve ser falta do que fazer...


Às vezes, no meio de um livro, um parágrafo me faz estacar. Leio da primeira vez, vou em frente. Mas ele me puxa de volta. Obediente, eu volto. Leio de novo. E mais uma vez. E paro de tentar ir em frente. Já conheço o processo, vou passar umas duas horas pensando naquilo. Não vou conseguir dar atenção plena ao resto do livro naquele momento. É um saco e é bom.
Hoje o trecho que me fez parar foi esse:

"Quando o trem parou na Bahnhof, em Munique, os passageiros saíram como que de um embrulho rasgado. Havia gente de todas as classes, mas, em meio à ela, os pobres eram mais fáceis de reconhecer. Os empobrecidos sempre tentam continuar andando, como se a relocação ajudasse. Desconhecem a realidade de que uma nova versão do mesmo velho problema estará à sua espera no fim da viagem - aquele parente que a gente evita beijar."

Fico com vontade de 'roubar' o trecho, isolá-lo do corpo maior do livro ao qual ele pertence e começar a escrever algo totalmente novo a partir dele. Deve ser falta do que fazer...
Ah, a qual livro o trecho pertence? Não vou dizer! Vai que meu primeiro best seller surge dele...

18.3.11

Vamos dar um passeio?

Sempre gostei da idéia de começar um texto como se fosse um convite. Várias textos que escrevi iniciam-se com perguntas, ou as apresentam encravadas lá em seu miolo. Para mim, é como se eu tomasse o leitor pela mão e chamasse: "vem, vamos lá, fazer isso comigo?" E, se pensarmos bem, é isso mesmo que acontece. O texto é sempre uma construção conjunta da qual participam quem escreveu e quem está lendo. Como de resto, qualquer outra criação, seja do campo das artes ou da teoria. Emissão e recepção, diria o pessoal das teorias comunicacionais.
Este texto que trago aqui é exatamente isso; um convite para que, ao ler as minhas impressões a respeito de uma exposição que relaciona a cidade e as suas representações nas histórias em quadrinhos, o leitor dialogue com elas, e 'visite' a mostra junto comigo.
E então, que tal fazer um passeio?

(Coloquei aqui no blog as páginas da revista na qual o texto foi publicado, mas para ler o texto na íntegra, você pode ir a http://www.emetropolis.net/component/content/article/16/69-que-tal-um-passeio-ate-a-banca-de-revistas )

Depois de um ano, resolvi mudar o visual do blog. A mudança estética da página marca também uma fase de grandes mudanças pessoais. Obrigada a todos que passam por aqui de vez em quando para conferir, deixam recados ou comentam comigo depois o que acharam. É muito bom ter esse retorno!