22.2.11

Menos é mais







Um rapaz vai praticar montanhismo durante o final de semana. Justamente quando está atravessando uma enorme fenda em uma rocha, escorrega e cai. Fica com a mão direita presa por um pedaço de rocha durante cinco dias. Consegue escapar cortando o braço. Fim.



Pronto. Contei todo o enredo de '127 hours', o filme de Danny Boyle que está concorrendo ao Oscar. Não considero a premiação grande coisa, especialmente em um ano no qual, entre a lista dos concorrentes, está 'Toy Story 3' (Nada contra o filme, acho os bonequinhos extremamente divertidos, mas daí a concorrer a um dos maiores prêmios do cinema vai uma enorme distância...), mas o filme de Boyle me chamou a atenção. Não porque seja um grande filme, mas pela mágica que o diretor, que é também o roteirista, ao lado de Simon Beaufoy, conseguiu fazer: extrair, destas quatro linhas que escrevi acima, um filme de duas horas. Mais ainda que isso: um filme no qual a maioria absoluta dos espectadores que vai assisti-lo já sabe exatamente o que vai ver, já que se trata de uma história real. E ainda assim se surpreende.
O roteiro e a direção são criativos, inteligentes, inesperados. Passamos a quase totalidade do filme acompanhando as tentativas de Aron Ralston (interpretado de forma leve e competente por James Franco) para se livrar da infeliz rocha que o prende e, ainda assim, só nos sentimos sufocados quando esta é claramente a intenção do filme. Para além das cenas mais pesadas e angustiantes (entre as quais está, claro, a cena do corte do braço), a película consegue em alguns momentos ser quase divertida, mesclando as memórias, as alucinações e o desespero do personagem.
Boyle, diretor de filmes tão diversos quanto 'Slumdog millionaire' e o genial 'Trainspotting', trabalha, em '127 hours' segundo a máxima do arquiteto alemão Mies van der Rohe: menos é mais. De um roteiro que se pode contar em quatro linhas, ele extrai uma história angustiante e criativa.
O diretor Alfred Hitchcock dizia que, no fim das contas, o material com o qual ele trabalhava era composto de luz e sombra: pura ilusão. E que, a qualquer momento do filme, o espectador poderia segurar os braços da sua poltrona e se lembrar que o que ele via na tela não era real, reais eram os braços da poltrona na qual ele estava sentado. Mas, continuava Hitchcock, se ele fizesse o seu trabalho de forma competente, o espectador esqueceria que sua poltrona tinha braços. É um pouco isso o que Boyle faz: ao terminar o filme, nos assustamos de perceber que não estamos em Utah, que não passamos fome, sede e desespero durante cinco dias, e, principalmente, que a nossa mão direita ainda está lá, pregadinha ao nosso braço.

9.2.11

"Foi o que meu coração ditou"










1989, dias depois da queda do Muro de Berlim. O músico russo Mstislav Rostropovich leva seu violoncello para a frente de uma das partes ainda existentes do muro. Senta-se em um banquinho e... toca. Sem fazer alarde disso, sem avisar a imprensa, nada. Só ele e a música. Felizmente para nós, alguém que sabia a dimensão daquele artista que se apresentava ali, filmou parte do concerto.
Vi pela primeira vez este vídeo no Museu 'Checkpoint Charlie', em Berlim. Em meio a tantas histórias interessantes (o museu narra as tentativas - bem e mal sucedidas - das fugas que aconteceram durante todos os anos em que o muro dividiu a cidade), este vídeo talvez tenha sido o que mais me tocou. Simplesmente porque ele deixa explícito um dos maiores poderes da arte: o de fazer política.
Rostropovich, defensor dos direitos civis na União Soviética, foi destituído de sua cidadania por defender a liberdade, perseguido por suas idéias, teve amigos presos e, mais tarde, acabou se tornando um dos líderes do movimento democrático que floresceu no país e conduziu à abertura. Um homem profundamente engajado e envolvido com os rumos políticos da sua nação. No momento desta vitória, porém, neste momento histórico da queda de um muro que originou a expressão 'muro da vergonha', e que, desde 1961, dividia um país, uma cidade, famílias, vidas, e a própria história, este excepcional artista escolhe... simplesmente exercer a sua arte!
Questionado depois sobre o motivo de tê-lo feito, o músico respondeu: "Foi o que meu coração ditou".

P.S.: Aos amigos que têm me perguntado se continuarei com o blog, ainda não tenho uma resposta definitiva. A motivação para o seu início foi manter, durante o ano da minha estadia em Paris, em relato da experiência, e contato com as pessoas que havia deixado aqui no Brasil. Havia pensado em finalizá-lo quando retornasse. A experiência, porém, mostrou-se tão prazerosa para mim que tenho pensado em continuar, agora com o objetivo inverso: manter a ligação com os amigos da França. E, tentar, ao mesmo tempo, desenvolver mais os assuntos que me interessam: arte, cinema e cidade.