15.7.10

14 de julho

As imagens não dão, não podem dar, conta do que foi a queima de fogos na Torre Eiffel na noite do 14 de julho.
A experiência de chegar antes de escurecer, ver a Torre se acendendo aos pouquinhos, presenciar toda a área ao seu redor se encher de gente, e, finalmente, começar a ouvir música francesa e os fogos estourando em sincronia com o som, durante exatos trinta minutos, é inexprimível através somente das fotos.
Em 'Gênio indomável', um filme de Gus Van Sant de 1997, vemos Robin Williams, o professor, dizer para Matt Damon, o rapaz superdotado que é seu aluno, que, não importa a sua inteligência acima da média, há experiências pelas quais ele não passou, vivências que lhe virão apenas com o tempo e que farão diferença na sua abordagem de mundo. Saber de algo teoricamente não é a mesma coisa que ter vivido. O personagem resume de maneira bastante poética, ao dizer qualquer coisa como: "você pode ter lido tudo sobre a Capela Sistina, conhecer toda a sua história e todas as pinturas que ela contém, mas nunca esteve lá dentro. Nunca sentiu o cheiro dela".
Participar da cerimônia de ontem foi, para mim, qualquer coisa assim como sentir esse 'cheiro'. Pensar no que os franceses estavam, de fato, fazendo ali, teve esse significado: o dia de ontem foi, na verdade, a comemoração do nascimento dos valores modernos. Não apenas para a França, mas para boa parte do ocidente. Por mais que os já conhecidos conceitos de 'igualdade, liberdade e fraternidade' estejam colocados em xeque pelo narcisismo pós-moderno, ainda assim, é uma data que merece ser comemorada.
Para quem quiser ter uma idéia do que foram os fogos, duas opções no link abaixo. A primeira tela mostra o vídeo completo (31 minutos) e a segunda, uma seqüência de fotos animadas (3 minutos): http://14juillet.paris.fr/






10.7.10

Como carne

"Eu quero que a pintura funcione como a carne. Eu sempre desprezei a 'pintura bela' e a 'delicadeza dos toques'. Sei que a minha concepção do retrato nasce de uma insatisfação com os retratos que se parecem com as pessoas. Eu gostaria que meus retratos fossem as pessoas, não que eles se parecessem com elas. Não que tivessem o aspecto do modelo, mas fossem o próprio modelo. Eu não quero simplesmente obter uma semelhança, como uma imitação, mas realmente retratar, como um ator encarna um personagem. No que me diz respeito, a pintura é o personagem. Eu quero que ela funcione para mim como a carne."
Lucien Freud

Maravilhoso artista, tocante exposição. Poucas vezes o corpo humano foi tão capaz de emocionar quanto pelas mãos de Lucien Freud.
Ele faz, com a carne, o que o seu avô fez com a mente: despe, coloca a nu, expõe.
Para, no final, descobrirmos o quanto somos frágeis e delicados e, por isso mesmo - para além da simples estética -, o quanto somos bonitos...






8.7.10

As faces do Louvre











Godard - Band à part, 1964









Bertolucci - The dreamers, 2002

Em 1964, Godard fez 'Band à part', filme no qual ele cria uma cena super divertida: a corrida dos três personagens através de uma das alas do Louvre. Era, desde aquela época, a maneira do diretor criticar - e ridicularizar - as hordas apressadas de turistas que circulavam pelo museu, preocupando-se apenas em ver as telas mais conhecidas. Quase quarenta anos, depois, em um período com muito mais turistas e muito mais pressa, Bertolucci faz, em seu lindo 'The Dreamers' (2002), uma homenagem à Godard e recria a cena.
Sempre me senti um tanto incomodada com esse impedimento: vir à cidade como turista e ter que me contentar com uma visita ao Louvre que, mesmo que durasse um dia inteiro, não seria suficiente.
Uma das coisas mais legais de morar aqui é, portanto, um tanto quanto óbvia: poder ir ao Louvre quantas vezes quisermos. Sem precisar se 'entupir' de informação porque só teremos um dia. É possível ver apenas o Egito em um dia, a pintura francesa em outro, o Renascimento italiano mais adiante, apreciar com calma a vista de fora do museu - tão interessante quanto ver as obras de arte -, mergulhar os pés na fonte à sua frente e deixar o tempo passar...
Além do acervo permanente, há sempre exposições temporárias que são interessantes. Neste momento, o museu está com o teto de algumas salas pintado pelo norte-americano Cy Twombly, e uma outra intervenção com frases de neon nas paredes do subsolo, feita por Joseph Kosuth. Linda.
Esta semana eu estava com uma predileção especial pelas expressões das faces. Raivosas, apaixonadas, tristes, lascivas, desesperadas, envergonhadas, pensativas: as faces humanas do Louvre.

























4.7.10

Exercício do luto















Salvador Dali - Mulher na janela, 1925

Um amigo, psicólogo, morador da Maison du Brésil como eu, define a nossa experiência aqui como um 'exercício do luto'. Explico: a maior parte de nós vem para cá - alguns do Brasil, alguns de outros países - deixando todos os seus laços de afeto nos países de origem. Família, amigos, maridos, esposas, filhos, ficam como que 'congelados', à espera de que o período da nossa estadia aqui passe e retornemos.
É claro que quando chegamos fazemos novos laços de amizade. Outras relações se constroem, o que nos ajuda a suportar o que, por vezes, é um período de muita solidão em um país nem sempre acolhedor.
É aí que entra uma característica do Brasil, e dos brasileiros particularmente, que ajuda e atrapalha ao mesmo tempo: a tal da cordialidade. Graças à ela, as amizades nascem e se fortalecem muito rápido. Experiência própria: assim que chegamos, somos convidados para festas, somos acolhidos com carinho, somos ajudados nos primeiros passos em terras francesas, que nem sempre são evidentes. Fazemos tudo isso em retorno a quem chega depois da gente e isso cria uma cadeia de ligação entre todos.
Encontramos as mesmas pessoas todos os dias: na portaria, no elevador, na cozinha. Construímos laços. É com elas que conversamos se o dia foi ruim. É com elas que comemoramos as pequenas vitórias: um exposé bem feito, um memoire defendido, um livro difícil que conseguimos encontrar, um elogio qualquer do directeur de thèse. Elas se tornam a nossa família. De alguma maneira, o 'porto seguro' para o qual retornamos todos os dias.
E, um dia, acaba o período no qual elas devem ficar aqui. De repente, aquele rapaz de Fortaleza que você via todos os dias fazendo uma salada na cozinha não está mais lá. A moça belga que você achava tão fechada nos primeiros dias, mas depois descobriu o quanto ela era simpática e doce, retornou para Bruxelas. O casal baiano cuja porta estava sempre aberta para os amigos que quisessem entrar e tomar um vinho já está de volta a Salvador. E por aí vai... A gente se apega e eles vão embora.
Claro que as verdadeiras amizades formadas não se esvanecem com essa partida. Os contatos permanecem, o que acaba criando uma rede de pessoas próximas espalhadas por vários lugares do mundo. Mas é difícil ver aqueles apartamentos - das pessoas que conhecíamos tão bem - voltarem a ser ocupados, é esquisito ver as carinhas novas nas cozinhas à noite, é estranho não dançar mais com aqueles amigos nas festas, e, especialmente, é muito difícil não tê-los mais por perto quando queremos conversar, desabafar ou comemorar alguma coisa.
Aos poucos vamos acostumando com os recém-chegados, como outros já haviam se acostumado conosco quando chegamos. Damos dicas sobre a cidade, começamos a encontrar toda noite, começamos a convidar para as festas e piqueniques. E o ciclo continua... até chegar o dia no qual mesmo essas novas pessoas - ou nós, desta vez - partimos.
É mesmo, como bem nomeou mais um dos amigos que, daqui a pouco também vai nos deixar, um 'exercício do luto'...

3.7.10

Por alguns momentos...















... os jardins do Trocadéro foram pintados de verde, azul e amarelo.