3.8.11

Os livros do Tom



Fui assistir ao documentário sobre os Novos Baianos, "Filhos de João". Permaneci ali sentada durante uma hora e meia e saí com uma sensação que tinham se passado dez minutos.
A construção do filme é leve, delicada, com um bom equilíbrio entre cenas de arquivo e depoimentos atuais, que se somam para construir um panorama - mais do que de um período da música brasileira - de um momento no qual parecia possível sonhar com uma nova sociedade.
Não vivi o auge do grupo. Mal tinha nascido quando Moraes, Pepeu, Paulinho, Baby e todos os outros pintavam de verde e amarelo o panorama musical brasileiro, antes tão influenciado pelo que vinha de fora do país. Para mim, então, o documentário teve, mais do que o sentido de memória, o gosto da descoberta. Descoberta que aquele grupo de onze pessoas era muito mais do que um grupo musical. Era sim, uma comunidade, uma tentativa de construção outra, de sonhar com a possibilidade de outros devires para o social.
Mas, na verdade, não quis escrever para falar do documentário, embora ele valesse um post só para ele. O que me encantou mesmo foram os livros do Tom. De longe o mais articulado, o mais inteligente e o mais lúcido de todo o grupo, Tom Zé dá, em seu depoimento, um show à parte. De conhecimento histórico, sociológico e filosófico, de hábil manejo das palavras, de visão que vai muito à frente do seu próprio tempo histórico. Aos desavisados, pode parecer por vezes que o músico 'viaja', devaneia, mas, se prestarmos atenção, percebemos que tudo na sua fala se amarra, tudo se articula, tudo está embasado.
Eu, encantada com a fala do Tom, comecei a prestar atenção na estante às suas costas. Sempre fui adepta de conhecer uma pessoa pelos seus livros. Olhar a estante de alguém pode ser tão revelador quanto ler o seu diário! (se é que ainda há aqueles que os escrevem...). Ali, nas prateleiras, estão preferências (prosa ou poesia? romances, suspenses, biografias, relatos históricos?), inclinações (literatura nacional ou estrangeira? ficção ou realidade?), obsessões (tudo daquele autor que amamos!). Dá prá saber muita coisa a respeito de alguém se observarmos seus livros com atenção...
Na estante do Tom se misturavam Lewis Carroll com toda a coleção da 'História da vida privada'. Livros de filosofia ao songbook de Cole Porter. Livros com cara de novos e outros - a maioria - com cara de livros 'de verdade': maltratados, puídos, lombadas manuseadas e descoloridas, algumas já se soltando. Como um livro deve ser ao cumprir sua função: lido e manipulado. Livros não são para serem mantidos virgens nas estantes. Um livro feliz é aquele que foi lido em diversas fases da vida por diversas pessoas, participou de múltiplas histórias, ajudou a definir personalidades.
Olhando a estante do Tom, fiquei pensando que não é, absolutamente, por acaso, que ele permanece sendo o mais articulado de todo aquele genial grupo.

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