
Um rapaz vai praticar montanhismo durante o final de semana. Justamente quando está atravessando uma enorme fenda em uma rocha, escorrega e cai. Fica com a mão direita presa por um pedaço de rocha durante cinco dias. Consegue escapar cortando o braço. Fim.
Pronto. Contei todo o enredo de '127 hours', o filme de Danny Boyle que está concorrendo ao Oscar. Não considero a premiação grande coisa, especialmente em um ano no qual, entre a lista dos concorrentes, está 'Toy Story 3' (Nada contra o filme, acho os bonequinhos extremamente divertidos, mas daí a concorrer a um dos maiores prêmios do cinema vai uma enorme distância...), mas o filme de Boyle me chamou a atenção. Não porque seja um grande filme, mas pela mágica que o diretor, que é também o roteirista, ao lado de Simon Beaufoy, conseguiu fazer: extrair, destas quatro linhas que escrevi acima, um filme de duas horas. Mais ainda que isso: um filme no qual a maioria absoluta dos espectadores que vai assisti-lo já sabe exatamente o que vai ver, já que se trata de uma história real. E ainda assim se surpreende.
O roteiro e a direção são criativos, inteligentes, inesperados. Passamos a quase totalidade do filme acompanhando as tentativas de Aron Ralston (interpretado de forma leve e competente por James Franco) para se livrar da infeliz rocha que o prende e, ainda assim, só nos sentimos sufocados quando esta é claramente a intenção do filme. Para além das cenas mais pesadas e angustiantes (entre as quais está, claro, a cena do corte do braço), a película consegue em alguns momentos ser quase divertida, mesclando as memórias, as alucinações e o desespero do personagem.
Boyle, diretor de filmes tão diversos quanto 'Slumdog millionaire' e o genial 'Trainspotting', trabalha, em '127 hours' segundo a máxima do arquiteto alemão Mies van der Rohe: menos é mais. De um roteiro que se pode contar em quatro linhas, ele extrai uma história angustiante e criativa.
O diretor Alfred Hitchcock dizia que, no fim das contas, o material com o qual ele trabalhava era composto de luz e sombra: pura ilusão. E que, a qualquer momento do filme, o espectador poderia segurar os braços da sua poltrona e se lembrar que o que ele via na tela não era real, reais eram os braços da poltrona na qual ele estava sentado. Mas, continuava Hitchcock, se ele fizesse o seu trabalho de forma competente, o espectador esqueceria que sua poltrona tinha braços. É um pouco isso o que Boyle faz: ao terminar o filme, nos assustamos de perceber que não estamos em Utah, que não passamos fome, sede e desespero durante cinco dias, e, principalmente, que a nossa mão direita ainda está lá, pregadinha ao nosso braço.