2.4.12

Revivendo tempos passados









Quando morei em Paris, no ano de 2010, estava no meio do doutorado, encantada com meu tema de pesquisa e feliz por estar dividindo a minha rotina com muitos outros pesquisadores que eram igualmente apaixonados pelo seu trabalho. As conversas à noite, nas cozinhas coletivas do prédio, tinham temas diversos, de música ao futebol, de novelas à qualidade dos vinhos - muitos! - que escolhíamos nos supermercados. Mas não era raro, no meio da noite, nos vermos no meio de uma discussão à respeito do conceito de estética em Hegel, ou uma defesa apaixonada dos movimentos sociais urbanos de ocupação imobiliária como forma possível de permitir acesso à cidade a toda uma camada da população.... Enfim, muita 'besteira' e muito 'assunto sério', assim, 'tudojuntoemisturado'.
Logo no início da minha estadia, conheci, morando no mesmo andar, a Helena Stigger, que estudava cinema como eu e já tinha por prática passar filmes a cada duas semanas no teatro da Maison du Brésil. Conversando com ela, tive a idéia: e por que não juntar os filmes e esses pesquisadores? Ao nosso interesse, juntou-se Gladson Dalmonech, também um amante de cinema. Conversamos um pouco mais e chegamos ao formato: o estudante que quisesse apresentar escolheria o filme a ser passado, adequado às discussões sobre as suas questões de pesquisa. Após o filme, uma breve palestra com esse pesquisador e a abertura para as perguntas das pessoas na platéia, mediada por um de nós três.
Resolvemos que isso deveria ter um nome, algo como uma marca que o diferenciasse da pura e simples apresentação dos filmes. Gladson, como bom publicitário, criou o nome - que até hoje acho excelente: 'Cinesthesis - ciclo de debates entre cinema e pesquisa'. Criou também um logotipo, uma claquete cinematográfica, para ser colocado no cartaz que anunciaria o evento.
Realizamos apresentações do Cinesthesis durante todo o ano de 2010, até dezembro, quando chegou a hora de voltarmos, os três, para o Brasil. Saímos daqui com aquela sensação boa de ter feito algo legal, que forneceu espaço para que as pessoas conhecessem melhor os temas umas das outras e pudessem discutir sobre eles de uma maneira mais aberta, diferente de uma apresentação formal de pesquisa.
Passou o tempo, todos nós voltamos para as nossas rotinas, e o período aqui na França parecia ter ficado para trás, repleto de lembranças boas e ruins, mas com aquela aura de algo que já é pertencente ao passado. Às vezes, como um sonho.
Bom, e agora, por essas voltas inesperadas que a vida às vezes dá na gente, estou de volta. É estranho às vezes, estar novamente aqui na Maison du Brésil, este espaço tão conhecido, mas agora habitado por outras carinhas ansiosas, outras pesquisas, outras nacionalidades. Estranho e bom, como se a renovação do exterior permitisse e incentivasse também a renovação interna de todos nós.
Na primeira semana que estava aqui, estava chegando do supermercado (puxando aquele carrinho escrito 'c'est toujours moi qui fait les courses', que os que moraram aqui conhecem tão bem...), e o Fred, recepcionista daqui, me aponta a porta do elevador, dizendo: 'olha o que vai acontecer na semana que vem!'. Eu olhei, e a minha sensação foi a de quem foi ali rapidinho e fez... uma breve viagem no tempo: ali, pregadinho na porta do elevador, estava o cartaz do Cinesthesis, igualzinho ao que fazíamos!
Descobri então, que o evento continuava! Continuou durante todo o ano de 2011 e resistiu bravamente até agora, quase metade de 2012. Confesso que fiquei bem feliz de ver essa continuidade. E fui assistir ao filme, claro!
E esta semana serei eu, então, a apresentar um pedacinho da minha tese no Cinesthesis, essa criação coletiva de três estudantes que amam cinema e tinham curiosidade para saber mais das pesquisas dos amigos. Fiquei muito feliz com o convite para participar e mais ainda de ver que o evento, pelo qual tenho um carinho especial, resistiu ao tempo. Fugindo um pouquinho do formato habitual, não vou apresentar um filme, mas vou falar de alguns, mostrando pequenos trechos de cada e comentando a sua relação com a cidade. Relembrando tempos passados, como se fechasse um ciclo.

Um comentário:

  1. Para variar, um texto impecável.
    Eu já te falei do orgulho que tenho de conviver com você? Com certeza estas carinhas novas vão adorar ver o retorno da criadora do evento. Isto dará fôlego ao evento, e eu nem falo em perpetuar, falo de dar vida. O evento usa os alunos que chegam e se vão para se manter vivo.
    Parabéns pela iniciativa e pela volta visitando a criação.
    Adoro você.
    Samuel

    ResponderExcluir