14.4.13

Colocando alguns pingos em alguns "i"s

Uma das coisas mais legais de ser professora é que isso me proporciona contato com pessoas muito diversas entre si, e muito diferentes de mim. Acho esse aspecto da minha profissão fascinante e enriquecedor, já que estamos muito acostumados a conviver na maior parte do tempo com aqueles que são muito semelhantes à nós mesmos. Em sala de aula, em especial de uma instituição pública de ensino, vejo de tudo: alunos mais novos e alunos mais velhos que eu. Alunos que querem seguir aquela profissão e outros que vêem aquele aprendizado apenas como mais uma etapa de muitas. Alunos muito religiosos e outros ateus. Alunos mais progressistas nas suas opiniões políticas e outros mais conservadores. 

Conviver com tanta diversidade exige um certo jogo de cintura em relação à algumas questões e, às vezes, um elevado grau de contenção das minhas opiniões pessoais. Com o tempo e a experiência, aprendi - ao menos naquele tempo em que estou dentro da sala de aula - a me manter longe de alguns assuntos: aborto, pena de morte, religião, dentre eles. Dizer que sou totalmente a favor do primeiro, radicalmente contra o segundo e passo o mais longe possível do terceiro, em geral causa desconforto - quando não, uma tentativa bem intencionada, mas não desejada por mim, de me fazer mudar de opinião. Essas situações me fazem perceber com muita clareza o quanto não estamos acostumados a conviver com as diferenças, e agimos, em muitas situações, como se estas nos agredissem. Já observei, em algumas situações, que a simples menção da minha opinião sobre algum tema tem o poder de ofender a determinados interlocutores.

Estamos atravessando, no Brasil, um momento de acirramento de algumas posições religiosas e/ou políticas que desperta a atenção. Em função de diversas situações ocorridas nos últimos meses, o que temos visto são indivíduos cada vez mais aferrados às suas posições - e usando argumentos cada vez mais radicais para defendê-las. Tenho constatado, então, que essa dificuldade em lidar com opiniões diferentes das nossas vêm atingindo níveis  altos e causado uma série de desentendimentos entre as pessoas. 

O problema neste acirramento é que muitas vezes, se perde o foco e lança-se mão de qualquer coisa para se encastelar nas suas próprias posições e defende-las como as corretas. E isso empobrece a discussão, gera argumentações simplistas e enfraquece a Política, aquela com letra maíuscula, que, se verificarmos no dicionário, veremos que tem como uma de suas definições "a arte de se relacionar com o outro". 

Nesse sentido, os 'relacionamentos' que tenho visto, vêm se pautando pelo desrespeito, pela grosseria e por uso de argumentos tão preconceituosos quanto as atitudes daqueles que, por vezes, desejam combater.

A partir dessa introdução, deixa eu tentar ser mais clara a respeito do que estou falando, pontuando algumas questões:

Há algum tempo, a deputada Myrian Rios apresentou um projeto de lei baseado em seus valores religiosos. O projeto era verdadeiramente um retrocesso e ela foi execrada em diversos meios com argumentos do tipo: 'ah, já posou nua e agora vem se fazer de santa'. O problema é que essa postura, a meu ver, é tão nojenta quanto o projeto apresentado por ela. O que interessa não é ela ter posado nua. O corpo pertence à ela, e ela pode dispor dele como quiser, a qualquer tempo. O problema verdadeiro era o fato de que ela propunha um projeto de lei que visava impor à sociedade o financiamento público à instituições religiosas para a realização de atividades cuja esfera de abrangência e importância não iria além dos seguidores daquela doutrina. E ela é uma representante de pessoas das mais variadas crenças.

Da mesma maneira, em relação à uma questão mais recente, o importante não é que o deputado Feliciano possa ou não ter tendências homossexuais, como tenho visto em tantas postagens das redes sociais que atacam o alisamento do seu cabelo ou o fato dele ter admitido entrar em sites gays (e, estranhamente, ficar chocado com as fotos de homens nus!). O cabelo do indivíduo é um problema dele, assim como os sites que escolhe clicar ou não. A sua orientação sexual não nos diz respeito, ainda que ele tenha ganho notoriedade com declarações absurdas contra homossexuais e negros, dentre outras categorias, e isso pareça a muitos de nós um contrasenso. Nada disso é realmente importante. Não se escolhe - ou não se deveria escolher - um legislador fundamentando-se na sua orientação sexual, já que esta não o torna melhor ou pior deputado, ou prefeito, ou presidente. 

O importante nesta situação é o fato de que o deputado é um criminoso - como já ficou provado em vídeos nos quais se vê a sua exortação para que os fiés lhe divulguem as senhas de seus cartões bancários. 

O importante também é o fato de que ele é - ou deveria ser - um representante da vontade popular, e não dos interesses ou dogmas da sua religião, seja ela qual for. O importante é que ele jamais deveria estar atuando na comissão para a qual foi designado, já que as suas posturas pessoais contrariam amplamente os objetivos da comissão. 

Da maneira semelhante, tenho visto comparações entre as igrejas evangélicas e a católica, afirmando que, da mesma forma que o deputado Feliciano condena a união civil entre pessoas de mesmo sexo, o Papa também o faz. Ora, estranho seria se fosse diferente! Religiões, sejam elas quais forem, vivem de dogmas, e dogmas não são questionáveis. Mas o Papa é um líder simplesmente religioso, não um político representante de pessoas de vários credos. O que importa aqui, é que a escolha da religião é uma opção do indivíduo. Mas o cumprimento das leis não é. E as leis de um país não devem - e não podem - se submeter às crenças ditadas por qualquer dogma religioso. 

Deixar isso claro esvazia o discurso de 'perseguição' tão presente entre os representantes das religiões evangélicas, por um simples motivo: ninguém tem nada a ver com a religião deles. Esta é uma escolha legítima. Escolhe-se a religião com a qual se tenha afinidade e permanece-se nela única e exclusivamente por esta mesma afinidade. O que não é cabível e tentar fazer os dogmas de cada religião valerem para um país. Leis não são opcionais. Têm que ser seguidas. E seguir uma lei que foi definida em função de um preceito religioso é um desrespeito com a parcela da população que optou por não fazer parte daquela religião. Ou de religião nenhuma, como é o meu caso.

E é exatamente por causa disso que o Estado tem como um de seus fundamentos a laicidade. Um Estado laico é um Estado que respeita seus cidadãos, e as suas diferentes opções de como devem levar as suas vidas. Um Estado laico é uma absoluta necessidade nestes tempos de acirramento de discursos que estão beirando a violência. Assim como um pouco de bom senso.



2 comentários:

  1. Muito bom o seu blog...estava lendo sobre a Vivian Maier e te achei...Belo trabalho!

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