11.6.14

A moça, a janela, a cidade, o sonho

Essa moça sempre me fascinou: está em um ambiente acolhedor e elegante, mas olha pela janela. Está ali, mas deseja outra coisa. Ela quer a cidade. 

Gustave Caillebotte - Interiores,  1880

O pintor francês Gustave Caillebotte fez a obra 'Interiores' em 1880, mas boa parte de sua carreira foi dedicada a esse tema: pessoas que, de janelas, varandas, sacadas, descobrem a efervescência do espaço urbano. 

Gustave Caillebotte - Um homem no balcão,  1880
Gustave Caillebotte - Homem no balcão,  1880

Gustave Caillebotte - Homem na janela,  1875
Gustave Caillebotte - Varanda, Boulevard Haussmann,  1880


É interessante questionarmos: porque essas pessoas não estão nas ruas da cidade? Se querem descobri-la, por que ainda permanecem em suas janelas e varandas? Vemos, nas telas, uma profusão de personagens que nos dão, literalmente, as costas, e dirigem sua atenção às ruas de Paris.

É importante contextualizar: a cidade passava, no momento mesmo do desenvolvimento das obras de Caillebotte, por toda a reformulação feita por Haussmann em seu espaço. Prédios antigos eram demolidos, boulevares eram abertos à força em seu traçado, enormes praças e parques pontilharam seu mapa. Era como se Paris se despisse de uma roupa velha e vestisse essa nova pele, repleta de prédios renovados, amplas avenidas, vitrines brilhantes e iluminação artificial. No meio disso, os seus habitantes, olhavam embasbacados para a 'sua' cidade, que não era mais tão 'sua' assim. Talvez isso explique esse receio, esse afastamento temporário, como se as pessoas ainda não se sentissem seguras em ir diretamente para as ruas observar a cidade e sua nova rotina urbana.

A moça do primeiro quadro sempre me atraiu. Qual a ousadia necessária para o pintor colocá-la ali, acintosamente de costas para sua casa, seu marido, sua vida? Impertinentemente de costas para nós, os observadores da tela, aqueles que deveriam ser a sua principal preocupação? Não, o que Caillebotte nos diz com essa moça não é 'olhem para a minha pintura'. É 'olhem para a cidade'!

Há tempos sigo o conselho do pintor francês e olho para a cidade. Para as cidades, de forma geral. Tal como a moça da pintura, olho para elas através de uma janela. Essa janela pode ser a literatura, a publicidade, a arte, ou, mais frequentemente, o cinema. Minhas muitas janelas me permitem uma aproximação maior do urbano do que se eu o olhasse diretamente. Aquela moça da pintura,... aquela moça sou eu.

Escrevo tudo isso à propósito de um sonho que se concretizou ontem. Estava trabalhando em casa, escuto um grito lá fora: 'correio!'. Adoro morar em uma casa, por essas pequenas coisas: conheço o carteiro; o moço que varre a rua e me pede para encher a sua garrafinha de água todos os dias; o lavador de carros que está sempre por aqui, o vizinho de frente que em época de jambo tem que levantar mais cedo para tirar as flores que teimam em pintar a sua caminhonete de cor de rosa. Escuto o chamado e vou, já sabendo que há algo para mim que não cabe na pequena abertura de cartas. E há mesmo: um pacote com livros. Até aí, nada de mais. Como toda professora, comprar livros é parte da minha rotina. Mas esse pacote é diferente: ele traz mais que livros. Ele traz as minhas janelas de observação da cidade, reunidinhas ali, em pequenos textos que divido com outro apaixonado por cidades como eu. Assim, de surpresa, ele ficou pronto: o livro. Enviado pela editora, me pegou tão dasavisada que quase abracei o carteiro.

Daí é aquele processo que todos que já escreveram um livro conhecem: abre o pacote, pega o exemplar, cheira, vê a capa (a moça do pintor francês me pareceu uma boa metáfora para o tema do livro. Propus e o pessoal da editora aceitou, para minha alegria), folheia, cheira de novo. Deixa de lado, toma uma água, pega mais um pouquinho, faz tudo de novo... E lá se foi embora uma tarde que deveria ter sido produtiva.

Então, aqui está o livro. Nele, eu e o professor Robert Pechman fazemos vários passeios pelas cidades, usando mediações diversas: arte, publicidade, literatura, cinema. Cada uma delas é uma janela, que nos permite ver uma panorama mais amplo do que se estivéssemos diretamente nas ruas da cidade.


É um livro de artigos, doze no total. São quatro escritos por mim, quatro pelo Pechman, e quatro em conjunto. Doze textos que condensam algum tempo de pesquisas e olhares para o urbano. Doze textos que representam um sonho, desses que fazem a vida girar e tornam tudo mais saboroso.


2 comentários:

  1. Parabéns, Minha menina!!!...Gosto muito de fazer parte da tua vida.

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  2. adoreeeeei :DDDDD parabééééns pelos seus textos :D queria ler

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