23.3.15

Um dos deuses mais lindos


A música de Caetano Veloso resume bem o que penso do tempo: ele é mesmo um dos deuses mais lindos. Presenciar a sua passagem, seja na gente, seja no mundo e nos que nos rodeiam é, de certa maneira, algo mágico.

Foi esse tempo "compositor de destinos", como diz Caetano, que presenciei nos últimos dias. E fiquei, entre feliz e emocionada, a cismar sobre isso que nos atravessa e arrasta a todos e que só prestamos atenção em ocasiões raras.

Explico melhor: há quinze anos atrás, mal acabando de cursar o mestrado, fui professora de alguns jovens que entravam em um curso de graduação. Futuros arquitetos, cheios de garra e vontade, cheios de vida e futuro, cheios de teorias e desejo, de dúvidas e certezas. Convivi com eles alguns anos ao longo do curso, presenciei o amadurecimento, os laços se formando, as brigas, os afetos, as conquistas. Participei da formatura, ganhei presentes, ganhei homenagens, ganhei colegas de profissão e, mais que isso, ganhei amigos.

Dez anos se passaram desde aquele final de curso. Embora tenhamos mantido o contato eventual, nunca mais havia encontrado com todos reunidos, nem sabia detalhes da vida de cada um. E nesse último final de semana, algo mágico aconteceu: uma reunião de vidas, de passado e de afetos. Uma comemoração dos dez anos de formatura. Uma ponte no tempo, que aproximou quem éramos há dez anos atrás de quem somos hoje. Passamos um final de semana juntos: ouvimos as histórias de todos, ficamos conhecendo maridos e esposas, filhos e carreiras uns dos outros.

Uma situação desse tipo causa sempre uma mistura de sentimentos: nostalgia, saudade, felicidades e tristezas. Vemos quem nos tornamos, sentimos orgulho por algumas coisas, pesar por outras, e, mais forte que isso, entendemos o que esse 'deus dos mais lindos' fez conosco. Conversamos sobre as dificuldades atravessadas: os falecimentos, as separações, as perdas, as decepções, os percalços de saúde... E as coisas boas, claro! Os casamentos, os filhos, as viagens, a carreira, as conquistas. Tanto tempo depois, a 'capa' de professora que conferia uma certa hierarquia já não existe mais, eu virei apenas mais uma colega no grupo, e essa sensação de que continuamos nos 'encaixando' - apesar de todas as possíveis diferenças - é muito boa! 

No final dos dias juntos, risadas e vinhos atravessados, constato o quanto o tempo foi generoso com todos. Dificuldades existiram, certamente, para todos. Mas a percepção que as atravessamos, as deixamos para trás e caminharemos para outras dificuldades e felicidades é o que fica de mais forte desse encontro. Dez anos se passaram e nós... continuamos aqui.

No final das contas, o mais legal de uma situação desse tipo, é que ela nos faz parar para pensar: qual é o sentido disso tudo mesmo? Nascemos, estudamos, batalhamos por uma carreira, construímos famílias e empresas, tentamos alcançar o 'sucesso' (seja lá o que isso possa representar para cada um), e tudo isso para que? 

Quanto mais o tempo passa, mais me certifico de que só há uma resposta a essa questão. Não consigo pensar em nada mais importante do que a troca de afetos como objetivo principal da vida. Nada me parece mais enriquecedor do que o convívio com o outro, o olho no olho, a gargalhada compartilhada, a solidariedade na hora certa. 

Essa 'viagem no tempo' que fiz - e na qual, mais do que encontrar com amigos, encontrei também com uma Eliana de quinze anos atrás - só me confirmou isso. E me fez sentir alegria, por mim e por cada um dos que estavam lá, e que conseguiram abrir uma brecha nos compromissos, nas obrigações familiares, na vida que segue, para olhar um pouquinho para trás, pedindo licença a esse tempo que pode ser tão cruel, e fazendo um passeio ali no passado para reencontrar com amigos de um outro momento. E, mais importante, para o grande reencontro: aquele consigo mesmo. 

Que venham mais dez anos e outros encontros!







2 comentários:

  1. Que lindo!!! Me senti presente no texto, na lembrança, no passado e no futuro de novas recordações que ainda trocaremos.
    Me emocionei!!!!

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    1. O final de semana foi todo muito emocionante. Só tenho a agradecer por vocês compartilharem esse momento comigo!

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