11.2.18

As mulheres, os clichês e o cinema




Essa semana assisti a dois filmes: "Lou" (Cordula Kablitz-Post, 2018) e "The Post" (Steven Spielberg, 2017).

O primeiro, sobre a vida da russa Lou Andreas-Salomé, me enchia de expectativas, afinal, ela foi uma mulher interessante, inteligente, vanguardista em várias áreas do conhecimento. Lou Salomé foi escritora, filósofa e psicanalista. Ainda assim, pouco conhecida, a não ser pelos seus romances conturbados, em especial sua relação com Nietzsche.

O segundo, admito que fui meio sem expectativas. O tema - os bastidores do governo norte-americano sobre as decisões envolvendo a guerra do Vietnã - não me mobiliza e, confesso, não sou grande fã de Spielberg.

Me enganei redondamente. O filme de Kablitz-Post apresentou uma sucessão de lugares comuns sobre a vida de Lou Salomé, focando especialmente os seus amores com homens famosos. A importância da personagem ficou de lado, ofuscada pelos diversos romances que ela teve - ou que atribuíram à ela - ao longo da vida. Me decepcionei profundamente, em especial por se tratar de um filme realizado por uma diretora. Uma mulher, que, a meu ver, repetiu um raciocínio vigente - e masculino - sobre a personagem. Fiquei imaginado a reação da "Lou" real ao filme feito sobre a sua vida. Feminista que era, acredito que teria ficado horrorizada de perceber que a sua imagem foi construída pelo reflexo na vida dos homens que com ela conviveram.

Enquanto isso, "The Post".... que surpresa! Sim, o tema gira em torno dos bastidores da política norte-americana. Mas há várias questões de fundo que são mais interessantes: o papel da imprensa, a liberdade de expressão, a relação entre os jornalistas e os homens no poder, e, para mim especialmente interessante, o papel da mulher.

Belíssimamente interpretada por Meryl Streep, a personagem principal, Katharine Graham, fala mais sobre a constituição do papel das mulheres com todas as suas indecisões, inseguranças e delicadezas do que a Lou Salomé cheia de certezas construída no filme de Kablitz-Post.

Não é uma questão que fica clara desde o início do filme: ela vai entrando insidiosamente, ao longo da narrativa. Quando a gente se dá conta, ela está lá, com uma das questões centrais - se não a principal - da trama. E é lindo perceber isso! Em especial, em um roteiro que podíamos considerar previsível - afinal, já conhecemos a história dos "Pentagon Papers" e de sua encomenda por Robert McNamara, então secretário de defesa dos Estados Unidos.

Da mesma maneira como a questão feminina - e feminista - vai se delineando aos poucos, é também aos poucos que vamos percebendo a força da personagem de Streep: uma mulher à frente de um grande jornal, "The Washington Post", que começou como um empreendimento familiar e que vai se tornar uma empresa de capital aberto em meio a esse momento conturbado.

Passamos, ao longo do filme, de uma quase antipatia pela personagem ("putz, mas ela não vai se posicionar?", "afff, quanta insegurança!") à compreensão de sua delicadeza e da imensidão de suas responsabilidades. Spielberg nos mostra cenas de uma delicadeza absoluta, como uma descida silenciosa de Streep pelas escadas de um tribunal ante olhares de admiração silenciosa de mulheres ao seu redor. Ali, confesso, minha vontade foi de bater palmas. Para o diretor, para a atriz e, mais especialmente, para essa mulher que eu, até então, desconhecia e que passei a admirar.

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